O acordo entre Conservadores, Trabalhistas e Liberais Democratas para regular a imprensa britânica, concretizado na madrugada de segunda-feira (18/03), prevê a utilização da Carta Régia (ou Royal Charter) como instrumento legal para a criação de um novo órgão fiscalizador independente. O documento é fruto do inquérito instaurado pelo premiê conservador David Cameron no dia 13 de julho de 2011 sobre a “cultura, as práticas e a ética da imprensa” no país.
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O inquérito, conduzido pelo juiz Brian Leveson, centrou fogo no escândalo dos grampos telefônicos, praticados pelo tablóide News of the World para obter “furos” de reportagem.
A publicação, com 168 anos de história, fazia parte do grupo News International, presidido pelo magnata australiano Rupert Murdoch. O escopo das investigações, porém, foi mais amplo, questionando também práticas da rede estatal BBC e de outros jornais que circulam no país.
Leveson levou ao banco de testemunhas repórteres, policiais, editores e políticos de todos os partidos, incluindo o ex-primeiro-ministro trabalhista Tony Blair, que contou com a ajuda de Murdoch para ser eleito em 1997.
O resultado foi uma chuva de processos contra jornalistas e editores do grupo de Murdoch, além de policiais e agentes penitenciários corruptos. Em descrédito, o tablóide News of the World fechou as portas.
No dia 14 de novembro do ano passado, Leveson apresentou suas recomendações à imprensa britânica. Entre elas está a continuidade da autorregulação dos meios de comunicação. A novidade está na criação de um novo organismo capaz de impor multas, exigir correções a partir de um novo código de conduta.
“A imprensa realiza uma checagem essencial sobre todos os aspectos da vida pública. É por isso que qualquer falha na mídia afeta a todos nós. No epicentro desse inquérito, portanto, existe uma pergunta simples: quem fiscaliza os fiscais?”, disse Leveson, ao apresentar seu relatório.
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A base da Carta Régia, resultante das recomendações do juiz, está, por enquanto, rascunhada em 22 páginas e prevê a nomeação de um painel independente, formado por um presidente e entre quatro e oito participantes, que irá arbitrar reclamações e poderá multar publicações que infrinjam o novo código de conduta em até 1 milhão de libras esterlinas (cerca de R$ 3 milhões).
O código será elaborado por membros independentes, jornalistas e editores, e passará por uma revisão a cada dois anos.
“O código deve levar em consideração a importância da liberdade de expressão, o interesse público (incluindo, mas não se limitando ao interesse público em detectar ou expor crimes ou sérias incorreções, protegendo a saúde e segurança pública e prevenir que o público seja seriamente enganado), a necessidade de jornalistas em proteger fontes confidenciais de informações e os direitos individuais”, informa o documento.
Veja 10 dos principais pontos descritos na Carta Régia:
1 – A nomeação de membros do painel (um presidente e no mínimo quatro, no máximo oito participantes) deve ser “independente, justa e transparente”;
2 – Membros do painel serão nomeados pelos meios de comunicação, terão cinco anos de mandato, mas não podem manter cargos de editores ou publishers, deputados ou senadores;
3 – A maioria dos membros do painel deve ser “independente da imprensa”;
4 – O código deve descrever parâmetros de conduta, “especialmente no tratamento de pessoas para obtenção de material jornalístico”;
5 – O código de conduta deve avaliar o respeito à privacidade quando não houver interesse público suficiente para quebrá-la;
6 – O código de conduta deve versar sobre o rigor das informações e a necessidade de prevenir interpretações errôneas;
7 – Deve ser criada uma linha direta para reclamações sobre quebra de conduta por parte de jornalistas;
9 – Decisões sobre reclamações de quebra de conduta serão tomadas pelo painel mesmo antes de chegarem à Justiça;
10 – O painel não terá poder de censurar a publicação de qualquer material, mas terá o poder de aplicar sanções financeiras (com valor de até 1 milhão de libras esterlinas, ou cerca de R$ 3 milhões) a veículos que quebrarem o código de conduta.
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Aceitação
Os editores da revista The Spectator, com viés conservador, e da publicação humorística Private Eye foram os primeiros do setor a avisar que não aceitariam a regulação.
O Daily Mail Group, o News International, de Rupert Murdoch, o Telegraph Media Group, conservador e monarquista, e as associações the Newspaper Society e a Professional Publishers Association afirmaram em nota conjunta que há “pontos controversos” na Carta Régia a serem analisados.
Os jornais The Independent e The Guardian ainda não se manifestaram. A Hacked Off, associação de vítimas das escutas telefônicas utilizadas pelo extinto jornal News of the World, recebeu com otimismo o acordo partidário para levar adiante a regulação da imprensa britânica. Eles tratam o tema como um estímulo “recuperar a credibilidade do jornalismo impresso”.
“A Carta Régia que eles [os partidos políticos] aceitaram irá introduzir um novo sistema que protegerá a liberdade de imprensa e, ao mesmo tempo, protegerá o público dos abusos que tornaram o inquérito Leveson necessário”, escreveu, em nota. “Eles agiram apesar do alarmismo dos poderosos grupos de jornais, que participaram do inquérito e não gostaram do resultado.”