A prefeitura de Paris se prepara para dar um passo inovador em sua política de saúde pública: os centros para aplicação supervisionada de substâncias ilícitas. Focada em drogas pesadas como a heroína ou o crack, a salle de shoot, como ficou conhecido o espaço entre os franceses, tem como objetivo reduzir os riscos de contaminação de vírus como o HIV e a hepatite C. O centro não fornecerá as drogas, apenas dará boas condições de higiene para sua utilização. Daqui a alguns anos, o local também pretende auxiliar no processo de desintoxicação dos usuários.
Amanda Lourenço/Opera Mundi
Imagem da entrada do centro, que deve ser inagurado até o final de 2013
O grande desafio do projeto, que deve ser iniciado ainda no final deste ano, é encontrar respaldo na população, principalmente daqueles que moram perto da área onde o centro será instalado. O local escolhido foi o 10º distrito da capital francesa, ao lado da Gare du Nord, estação de trem que liga Paris a Londres. O bairro é conhecido por ser socialmente complicado, pois ali existe grande concentração de usuários de drogas e ocorrências de roubos e furtos são mais frequentes do que nas outras regiões de Paris.
A proximidade dos usuários foi a principal razão da escolha do local: “É importante estar em um lugar onde o consumo de drogas já existe”, explicou a Opera Mundi Céline Debaulieu, coordenadora da Associação Gaia, ONG responsável pela implantação do projeto. “A região da Gare du Nord é um local de comércio e consumo de drogas desde 2006 e tudo isso é feito no espaço público, em banheiros ou estacionamentos”, informa Debaulieu, acrescentando que um espaço próprio para a consumação de drogas tiraria os consumidores das ruas.
Os moradores não têm tanta certeza. Para eles, o centro trará mais problemas do que benefícios: “O que eles estão fazendo com a gente é horrível! Nosso bairro já é difícil, vai ficar pior ainda”, opinou Latifa, moradora da região. “A sala de shoot vai atrair drogados da cidade inteira, vamos cruzar com viciados nas ruas o tempo todo”, reclamou.
O dono de um bar vizinho ao endereço onde o centro abrirá as portas também não está satisfeito e teme uma queda de movimento. “Os clientes vão fugir, vai ser péssimo para os negócios. Até sou a favor da criação de centros como esses, mas não aqui, teria que ser em um lugar mais isolado, sem tanto comércio”, afirmou.
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Serge Federbusch, conselheiro do 10º distrito ligado à UMP, partido do ex-presidente Nicolas Sarkozy, organizou em abril uma enquete popular e constatou que dos 296 parisienses consultados, 280 eram contra a abertura do centro no bairro. Federbusch tentou usar sua pesquisa como argumento para impedir o projeto, sem sucesso. Opositores contestaram a legitimidade da enquete, que foi organizada em um café, e lembraram que a amostragem de pessoas consultadas equivalia a 0,02% da população da cidade e 0,73% do 10º distrito.
O governo parece decidido a não voltar atrás. Céline Debaulieu comemora a vitória da ONG, certa de que o projeto trará benefícios para a sociedade. “Vamos reduzir o consumo de drogas em espaços públicos e, desta forma, diminuir os incômodos causados por esse tipo de problema”, esclarece. A segurança do bairro também está garantida: “Um dispositivo de polícia deverá ser criado para evitar agrupamentos de usuários perto do centro. Além do mais, um agente de segurança será integrado na equipe e estará presente em tempo integral dentro do estabelecimento. De maneira geral, essa questão de segurança não nos preocupa. Faz mais de 20 anos que trabalhamos com usuários de drogas de forma bastante precária, então temos experiência neste domínio”, conclui.
Mas ainda será difícil convencer a população da presença de seus novos vizinhos: “Ser a favor de centros como esse é fácil, quero ver se decidirem instalá-los do lado da sua casa”, defende Charles, outro morados do bairro.
O centro de aplicação de drogas pode se tornar um importante objeto de debate para a próxima eleição de Paris, já que o socialista Bertrand Delanoe, prefeito desde 2001, não tentará a terceira reeleição. O partido de oposição, UMP, poderá usar o projeto como ferramenta para conquistar o voto dos parisienses mais conservadores.