País que criminalizava o homossexualismo há menos de 30 anos e que tem 85% da população declaradamente católica, segundo o último censo, Portugal deu hoje (8) um passo significativo para a liberação do casamento entre pessoas do mesmo sexo. A lei aprovada pelo Parlamento, no entanto, proíbe a adoção de filhos por casais homossexuais.
O Congresso aprovou a proposta do governo socialista, que vai agora para análise de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional e segue para sanção do presidente Cavaco Silva, que não se manifestou diretamente sobre o assunto, mas em sua mensagem de ano novo, disse que é preciso “recuperar o valor da família”. Levando em conta o teor polêmico e a velocidade com que a proposta foi apresentada e votada, sua sanção é dada como certa por governo, parlamentares e movimentos sociais.
Fotos: Vitor Sorano
Raquel Freire e Joana Manoel comemoram a decisão do Parlamento
Há um caloroso debate público sobre o assunto no país. Deixar de fora a possibilidade de adoção foi a saída encontrada pelo governo para contemplar uma de suas principais bandeiras de campanha e diminuir o atrito criado com a igreja e a população conservadora, que defende fortemente valores como a família nos moldes tradicionais.
As demonstrações foram várias. A igreja católica considerou a discussão como “o rompimento do conceito de família” por meio de declarações do cardeal patriarca de Lisboa, dom José Policarpo. “Os homossexuais não têm direito ao casamento. Se tivessem, eu seria o primeiro a defendê-lo. Chamem-lhe outra coisa”, disse em entrevista à agência católica Ecclesia. Da sociedade civil organizada, chegaram ao Parlamento mais de 90 mil assinaturas pedindo um referendo sobre o casamento gay, por meio da Plataforma Cidadania e Casamento. O pedido foi derrubado na votação de hoje.
Leis de Deus
Uma das assinaturas é de Maria Braga, 24 anos, estagiária de advocacia e heterossexual, que assitiu à votação. “Acho que a maior discriminação é tratar de forma igual o que não é igual. Dois homens ou duas mulheres não são iguais a um homem e uma mulher”.
O casal de aposentados José Augusto da Silva, 72 anos, e Amelia Antunes Lopes da Silva, 66 anos, concorda. Ela vê o casamento gay como imoral e contrário às leis de Deus. Para ele, “isso nem devia estar sendo discutido”.
A balconista Carla Dias, 32 anos, sabe que a polêmica gerada em Portugal é grande “por se tratar de um país envelhecido”, mas acha importante que os gays tenham os mesmos direitos de casar e constituir família que as outras pessoas. “O mais complicado é a questão da adoção, mas tanto faz ser homem ou mulher, o importante é que sejam bons pais e isso não tem a ver com a opção sexual.”
Para o jornalista e ajudante geral Paulo Perfeito, 47 anos, a adoção é um problema à parte e muito mais complexo que o casamento entre pessoas do mesmo sexo. “Isso pode até gerar problemas psicológicos na criança. O amor de mãe é imprescindível. Quem ela vai chamar de pai e de mãe? Pode virar homossexual também por falta de referência”.
Discriminação
A proposta aprovada diz textualmente que, ao garantir o casamento homossexual, Portugal não está admitindo a possibilidade que casais gays participem de processos de adoção. “As alterações introduzidas pela presente lei”, diz o documento, “não implicam a admissibilidade legal da adoção, em qualquer das suas modalidades, por pessoas casadas com cônjuge do mesmo sexo”. O texto afirma ainda que nenhuma outra disposição legal pode passar por cima desta restrição.
Além da questão eleitoral levantada por Sócrates, outra alegação do governo é que o casamento trata da “opção livre de duas pessoas”. Já a “adoção envolve os interesses de um terceiro”.
“Nós achamos que tratar da adoção na lei é criar uma discriminação [porque restringe o direito de casais homossexuais a adotar]”, disse em entrevista ao Opera Mundi o líder do Bloco de Esquerda, que apresentou um projeto de lei sobre o tema, José Manoel Pureza. O parlamentar alega que a adoção não é um direito adquirido do casamento, é um processo à parte, regulado por outra legislação e resolvido caso a caso, por isso não foi tratada no projeto do partido.
Na votação de hoje foram rejeitados três projetos de lei que tratavam da união entre casais do mesmo sexo. O texto apresentado pelos social-democratas (PSD), de direita, criava as uniões civis registradas, um novo estatuto próprio para os homossexuais. Os projetos do Bloco de Esquerda e do Partido Verde garantiam o casamento convencional, sem falar em adoção.
Era o que reivindicavam movimentos sociais como a Umar (União de Mulheres Alternativa e Resposta), uma ONG de afirmação feminina criada nos anos 70. “Acho que a lei, apesar de ser um grande avanço, cria uma discriminação que não existia. Há um misto de sensação de vitória e recuo com a decisão de hoje [por impedir a adoção]”, diz Salomé Coelho, 26 anos, vice-presidente da Umar.
Teresa Pires, de 32 anos, e Helena Paixão, de 39, vivem juntas há sete anos com as filhas de cada uma. Há quatro, tentam casar na Justiça, mas tiveram o pedido negado pelo Tribunal Constitucional (instância máxima da Justiça Portuguesa). A disputa é tratada como bandeira pelos defensores da alteração legal ocorrida hoje. “É discriminação também [restringir a adoção], mas é um passo de cada vez”, diz Teresa. “Melhor do que nada”, afirma Helena.
Bolo com casais homossexuais em frente ao Parlamento, para celebrar a conquista
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