Após quatro adiamentos, o julgamento oral dos camponeses paraguaios acusados por suposto envolvimento no massacre de Curuguaty teve início nesta segunda-feira (27/07) no Paraguai, mas foi suspenso até amanhã (28/07). Isso, porque os réus resolveram, em ato inédito no país, renunciar em massa à defesa feita por seus advogados, alegando “falta de confiança”.
Uma das acusadas tinha 17 anos à época dos eventos e também deveria ser julgada hoje, mas seu processo foi adiado para 2 de novembro. Os demais 12 camponeses são acusados de invasão de propriedade privada e associação criminosa. Destes, nove também respondem por tentativa de homicídio.
Agência Efe
Único dos réus em regime fechado, Rúben Villalba ao chegar para o julgamento nesta segunda-feira (27/07)
Ao início do julgamento na manhã desta segunda, Rúben Villalba, único dos camponeses que está em regime fechado, disse que “no Paraguai não há justiça, por isso estamos aqui na prisão. Nós não ocupamos terras do Estado”.
Após a declaração, ele e outros dez réus, quando perguntados pelo tribunal, disseram não ter confiança na defesa exercida pelos advogados particulares Guillermo Ferreiro e Vicente Morales e por isso renunciaram à representação.
Defesa
Em 2012, ambos os advogados foram acusados na Corte Suprema de Justiça de “abuso do exercício de defesa, má fé e incidentes dilatórios”. Por outro lado, pelo trabalho exercido, eles corriam o risco de perder o direito de exercer a profissão. A decisão sobre o caso seria resolvida durante o julgamento dos camponeses. Dependendo do resultado, a sanção seria aplicada, o que poderia chegar, inclusive, ao cancelamento do registro profissional.
Ao deixar a sala, eles disseram que “não esperavam” o pedido de renúncia dos acusados e que essa postura “obedece a uma estratégia” dos próprios camponeses.
Apenas o réu Felipe Urbino manteve sua defesa, exercida pelo defensor público Joaquín Díaz, que assumirá também a defesa dos demais acusados, com o objetivo de evitar a suspensão do julgamento.
Apesar disso, o tribunal decidiu adiar o julgamento até amanhã para que o Ministério da Defesa Pública possa avaliar se é necessário um ou mais advogados para a causa.
O defensor público Díaz, no entanto, disse ter pedido a alguns amigos ajuda com o caso e que pedirá “pelo menos três dias” ao tribunal para que possa reorganizar a defesa.
“É insuficiente o tempo que nos dão, de um dia, para rearmar a defesa; precisamos de mais tempo. Eu tenho conhecimento do caso e estou seguro de que essas pessoas são inocentes”, disse o defensor.
Observadores de Curuguaty
Para acompanhar o julgamento e denunciar possíveis irregularidades em seu processo, movimentos sociais paraguaios e de países vizinhos organizaram a campanha Observadores de Curuguaty. Assim, diversas lideranças sociais acompanham, de forma presencial, ou não, o julgamento em Assunção. É possível aderir à mobilização aqui.
No total, 457 pessoas se cadastraram como observadoras do processo. Entre eles, está Nora Cortiñas, uma das fundadoras do movimento argentino das Mães da Praça de Maio. Ela acompanha o processo, em Assunção, como observadora internacional.
Reprodução/ Facebook
Observadores internacionais em Assunção, entre eles Nora Cortiñas e o jornalista brasileiro Leonardo Wexell Severo
Massacre e golpe
No chamado massacre de Curuguaty, morreram 17 pessoas, sendo 11 camponeses e seis policiais. Somente camponeses, no entanto, estão sendo processados pela Justiça. Dez deles respondem por associação criminosa, invasão de terras e homicídio em grau de tentativa. Dois são acusados de invasão de terras e outro de frustração da perseguição e execução penal.
O fato foi utilizado pela oposição paraguaia para justificar o julgamento político, ou impeachment, do então presidente Fernando Lugo, em 22 de junho de 2012. À jornalista Natalia Viana, o ex-mandatário confessaria dois meses depois: “Eu sabia que iria terminar assim”. “O poder, mesmo, nunca foi meu”, como consta no livro da Agência Pública “O Bispo e Seus Tubarões”, que pode ser acessado aqui.
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No processo, a promotoria se baseia nos testemunhos dos agentes que participaram da operação e defende que os policiais foram vítimas de uma emboscada feita pelos ocupantes da terra.
Os camponeses investigados pelas mortes estão em prisão domiciliar. “Eles estão com custódia policial e não podem sair para trabalhar, mas precisam sustentar suas famílias”, conta Martina Paredes, em entrevista a Opera Mundi em 2014. Apenas Villalba se encontra em regime fechado.
Por outro lado, a defesa denuncia as diversas irregularidades existentes na causa, entre elas o fato de que o promotor do caso, Jalil Rachid, decidiu investigar apenas a morte dos seis policiais, deixando de lado os 11 camponeses que perderam a vida no episódio. A defesa diz ainda que os ocupantes não eram mais que 50, enquanto foram enviados mais de 300 policiais.
Agência Efe
Advogados de defesa disseram não entender a razão da renúncia
Propriedade das terras
O julgamento dos camponeses, a maioria deles acusados por invasão de terras, ocorrerá sem que a titularidade das mesmas tenha sido resolvida na Justiça. Essa é uma das denúncias feitas pelos advogados de defesa e observadores internacionais. As terras onde ocorreu o massacre são chamadas de Marina Cue, que em guarani significa terras da marinha.
A história começa em 1967, quando a Industrial Paraguaia doou os 2.821 hectares ao Estado, que o aceitou por meio do decreto Nº 29366 de 6 de setembro de 1967. O terreno foi, então, entregue à Marinha, que o ocupou até 1999. Em 2004, o então presidente Duarte Frutos (2003-2008) entregou o terreno ao instituto de reforma agrária paraguaio, Indert.
Por outro lado, Blas Riquelme, um empresário e político do partido conservador paraguaio Colorado, passou a afirmar que as terras são de sua propriedade por usucapião, por ocupá-las desde 1970. Mas, de acordo com o jornalista e historiador paraguaio Guido Rodríguez Alcalá, Riquelme sabia que as terras pertenciam à Marinha porque em 1982 pediu permissão a ela para passar por ali.
Mas, em 21 de dezembro de 2005, o juiz Carlos Goiburú decidiu que as terras pertenciam à empresa Campos Morumbi, de Riquelme, já falecido.
Riquelme ainda entrou com outro pedido na Justiça, para transformar o terreno — totalmente desmatado e com plantações de soja — em uma reserva natural. Este pedido também foi acatado, e o terreno foi registrado como “Reserva Natural Campos Morumbi”.
Assim, em 15 de junho de 2012, a empresa conseguiu uma intervenção militar para desalojar os camponeses que estavam instalados naquelas terras e reivindicavam sua destinação à reforma agrária.