Em meio a uma intensa crise política, a primeira mulher presidente da Coreia do Sul, Park Geun-hye, sofreu impeachment nesta sexta-feira (09/12). Se o Tribunal Constitucional aprovar o afastamento, ela pode virar a primeira chefe de Estado a ser destituída no país. Em 2004, a moção de impeachment do ex-presidente Roh Moo-hyun, em 2004, foi rejeitada pela Justiça após ser aprovada na Assembleia Nacional.
Mas, o que está acontecendo na Coreia do Sul? O que causou o afastamento de Park? Como o assunto repercute no exterior? Veja as respostas:
– O que causou a crise política na Coreia do Sul?
Uma amiga da presidente Park, Choi Soon-sil, mesmo não exercendo nenhum cargo público, opinava em decisões que variavam da cor das roupas que a mandatária usava até discursos e grandes decisões políticas, tendo, segundo denúncias, até acesso a informações confidenciais. Além disso, Choi é acusada de arrecadar cerca de US$ 70 milhões (aproximadamente R$ 222 milhões) em doações da Federação de Indústrias Coreanas para duas fundações e desviado parte desse dinheiro.
Agência Efe
Parlamento sul-coreano aprovou impeachment da presidente Park no dia 9 de dezembro
A Samsung, por exemplo, doou 20,4 bilhões de won (R$ 59,4 milhões) às fundações dirigidas por Choi. O vice-presidente da empresa, Lee Jae-yong, e o presidente da LG Shin Dong-bin declararam no dia 6 de dezembro que se reuniram com Park em privado, mas negaram que a presidente solicitou doações. Lee disse que a presidente pediu seu apoio para promover o desenvolvimento cultural e esportivo, mas não pediu dinheiro, especificamente.
Ele ainda admitiu que a empresa pagou o cavalo da amazona profissional Choi Yoo-ra, filha de Choi Soon-sil, avaliado em 1 milhão de wons (cerca de US$ 855 mil), uma quarta parte dos fundos supostamente fornecidos pela Samsung para financiar a carreira esportiva da jovem.
Segundo os promotores responsáveis pela investigação, 53 empresas que fizeram doações às fundações Mim-R e K-Sports, coordenadas por Choi, estão sendo investigadas para esclarecer se estiveram envolvidas em trocas de favores por parte do governo.
Essas acusações levaram a presidente a ser suspeita de participar de um esquema de tráfico de influência.
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Lee Jae-yong, vice-presidente da Samsung, declarou que se reuniu com presidente Park
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– Quem é Choi Soon-sil, a “Rasputina coreana”, e qual é sua relação com Park?
Amiga de Park há mais de 40 anos, Choi Soon-sil é filha do líder religioso Choi Tae-min, mentor do ex-presidente da Coreia do Sul e pai da atual presidente, Park Chung-hee.
Choi, que ficou conhecida como “Rasputina coreana”, foi presa em novembro, e não compareceu a uma sessão do comitê de investigação parlamentária, apesar de uma ordem obrigando a sua presença. Choi alegou motivos de saúde e a necessidade de preparar sua defesa para não comparecer à sessão pública. Ahn Chang-bum e Jeong Ho-seong, ex-assistentes da presidência, também presos em novembro sob a acusação de abuso de autoridade e de terem vazado documentos diplomáticos confidenciais a Choi, também não foram à sessão.
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Amiga de infância da presidente Park, Choi Soon-sil é protagonista do escândalo político na Coreia do Sul
A sobrinha de Choi, Chang Si-ho, também foi indiciada pela procuradoria responsável pelo caso de Choi, sob acusações de abuso de poder, coerção, fraude e desvio de fundos, como parte do esquema de corrupção pelo qual Choi está sendo julgada. Suspeita-se que Chang, junto a sua tia e ao ex-vice-ministro de Cultura e Esportes, Kim Chong, tenha pressionado a Samsung a doar mais de 1,6 bilhões de won (US$ 1,38 milhões) a uma fundação controlada por Chang.
A promotoria declarou que obteve um tablet com arquivos de endereços presidenciais e fotos pessoais de Choi, o que a ligaria à presidente. Após uma análise das informações geográficas guardadas no aparelho e dos registros de imigração de Choi, os promotores confirmaram que ela estava com o tablet, já que as informações coincidem. O advogado de Choi, no entanto, negou que o aparelho seja dela.
– Como a presidente reagiu?
A presidente Park veio a público em outubro e admitiu ter recebido aconselhamento de Choi Soon-sil. A mandatária se desculpou durante uma entrevista coletiva de imprensa, afirmando ter agido sempre “com um coração puro”.
No entanto, de acordo com Park, Choi a teria aconselhado, editando seus discursos, apenas em 2012 (durante a campanha presidencial) e 2013, pouco após a agora presidente afastada assumir o cargo.
Com mandato previsto até fevereiro de 2018, Park estaria disposta a renunciar em abril, com a convocação de eleições para junho, seguindo recomendações do seu partido. A oposição, no entanto, criticou o que classificam como uma manobra de Park para evitar um processo de cassação de seu mandato.
Choi, por sua vez, pediu desculpas pelo que fez. “Eu cometi um pecado que merece a morte [como punição]”, disse, segundo a agência de notícias local Yonhap. Entretanto, o advogado dela, Lee Kyung-jae, afirmou que o pedido de desculpas não pode ser interpretado como uma confissão.
– Como a opinião pública reagiu?
Após as declarações de Park, protestos em massa levaram os sul-coreanos às ruas para pedir a renúncia de Park. No dia 3 de dezembro, as ruas do centro de Seul ficaram repletas de manifestantes pelo sexto sábado consecutivo, em novo protesto para pedir a renúncia da presidente. Em outras cidades do país, como Busan, Gwangju e Chuncheon, também aconteceram mobilizações em menor escala.
Além das manifestações de repúdio à presidente, um homem de 45 anos destruiu com uma escavadeira a porta do edifício onde Choi está detida. De acordo com a agência Yonhap, o homem declarou que queria “ajudar Choi Soon-sil a morrer, já que ela disse que havia cometido um pecado punível com a morte”.
Embora o processo esteja em andamento e os responsáveis pelas investigações ainda não tenham provas contra Park, o índice de aprovação da presidente atingiu uma mínima recorde de 4%. Além disso, segundo uma pesquisa da Realmeter divulgada no dia 8 dezembro, cerca de 78% dos sul-coreanos desejavam o impeachment da presidente.
A Confederação Coreana dos Sindicatos (KCTU) publicou no Facebook uma mensagem “felicitando” a presidente Park. “A moção de impeachment foi aprovada! Park, parabéns! Agora seu lugar é na cadeia”, disse a mensagem. “Sua reforma trabalhista também está cassada”, declarou a organização, em referência às reformas propostas por Park em 2015, que, segundo o KCTU, diminui salários e fragiliza a estabilidade de emprego dos trabalhadores.
Agência Efe
Manifestações em Seul pedem a renúncia da presidente Park Geun-hye, investigada pela Justiça
– Quais foram as reações da comunidade internacional?
Na Coreia do Norte, a agência de notícias estatal norte-coreana criticou a presidente Park Geun-hye, qualificando seu governo de “anormal” e “estúpido” pelo grande escândalo suscitado no país após a revelação de que sua amiga e confidente pode ter interferido em assuntos de Estado.
O governo de Kim Jong-un definiu o escândalo como um “horrível caso de corrupção sem precedentes na história da Coreia do Sul, que comoveu os cidadãos em seu conjunto e causou um grande furor”, segundo um editorial do jornal Rodong, do Partido dos Trabalhadores.
A China e os Estados Unidos, principais países com os quais a Coreia do Sul mantém relações, não se pronunciaram oficialmente quanto às acusações da presidente Park ou ao processo de impeachment, nem por meio de suas embaixadas em Seul, nem por suas capitais.
– E, a partir de agora, o que acontece?
Park foi destituída do cargo no dia 9 de dezembro. A moção que pedia o impeachment da agora presidente afastada foi aprovada por 234 votos a favor e 56 contra – e eram necessários 200 para a aprovação.
Além do caso de tráfico de influência envolvendo Choi Soon-sil, a moção ainda critica a reação do governo no naufrágio do Sewol, acidente que ocorreu em abril de 2014 e que resultou em mais de 300 mortos.
O impeachment terá de ser confirmado pelo Tribunal Constitucional, com ao menos seis dos nove votos dos juízes. A Casa Azul, sede do governo, declarou durante o processo que a presidente “seguiria o devido processo legal”, indicando que Park não renunciaria durante o processo.
O Tribunal tem até 180 dias para avaliar o caso, período no qual Park fica suspensa, embora mantenha o cargo como presidente. As funções de governo ficam com o primeiro-ministro Hwang Kyo-ahn até a decisão final do órgão.