As imagens da multidão de iranianos nas ruas de Teerã em protesto contra a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad trouxe à tona memórias dos acontecimentos de 1979, quando uma mobilização popular tirou do poder o xá Reza Pahlevi e abriu espaço para a revolução religiosa que transformou o país numa república islâmica. Cobertos por faixas da cor verde, símbolo da liberdade na cultura islâmica, e entoando gritos de “morte ao ditador” e “abaixo o governo golpista”, centenas de milhares de iranianos – ou mais de um milhão, segundo alguns relatos – se uniram para acusar o governo de fraude nas eleições.
Vídeo mostra manifestante ferido em ato em Teerã hoje (16)
Veja também vídeo da emissora britânica Channel 4 que mostra integrante da milícia Bassij – leal ao aiatolá – reprimindo manifestação contra a reeleição do presidente Ahmadinejad. Clique aqui.
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Ahmadinejad mudou parâmetros do jogo eleitoral
Segundo dados oficiais, o presidente conservador conquistou quase 64% dos votos, enquanto seu rival direto, o reformista Mir Hussein Mousavi, ficou com 34%. Na opinião de analistas entrevistados pelo Opera Mundi, a possibilidade de outra mudança radical de poder acontecer no Irã é improvável, apesar de os protestos pós-eleições serem as primeiras demonstrações de massa em 30 anos. Mas todos acreditam que o país não sairá ileso.
De acordo com o especialista em Irã Ely Karmon, mestre em Ciência Política pela Universidade de Haifa, em Israel, o país já experimentava um processo de mudanças internas, estimulado pela frustração da população com os rumos da economia – a inflação mensal gira em torno de 25% – e também pela mobilização dos jovens – cerca de 50% da população tem menos de 25 anos –, conectados ativamente com o exterior via internet e outros meios de comunicação.
“Os recentes acontecimentos mostram para o governo que ele não pode mais tratar os problemas do mesmo jeito, com tanta intolerância, pois a resposta não vai ser a mesma”, afirma. “A nova geração tem acesso à internet e vê que o governo oprime a população, corta serviços de comunicação. Setenta por cento dos eleitores desse ano eram jovens. Comparado a dez anos atrás, é uma situação bem diferente”.
Karmon vê dois desfechos possíveis para a situação. No primeiro, o governo, pressionado, convocaria novas eleições. “Isso é pouco provável, porque colocaria todo o sistema político em questão, como corrupto, até mesmo a autoridade espiritual mais alta do país, o aiatolá Ali Khamenei, que pediu que o povo aceitasse um resultado eleitoral apoiando Ahmadinejad”.
O segundo desfecho, “uma opressão violenta das demonstrações”, seguiria a linha histórica do país, de acordo com Karmon. “Como no passado, o governo não conseguiria segurar suas próprias forças de segurança, suas milícias, sua Guarda Revolucionária. No entanto, não sei se a população está enraivecida o bastante para ir até as últimas consequências e tentar uma revolução”.
Na visão da professora de Relações Internacionais da Unesp Cristina Pecequilo, o governo deve levar em conta, a médio prazo, os desejos de jovens e mulheres reformistas, ou corre o risco de perder o poder. “O desejo de reforma é muito presente. Me parece que o ideal seria uma solução de consenso, que a linha dura permitisse uma maior participação da linha progressista do governo para evitar ser derrubada. Acho que esse ciclo de manifestações e concessões se repetirá até que os reformistas consigam unificar o país, no longo prazo”.
Sociedade dividida
Comparando a 1979, quando os iranianos se uniram para depor um governo que não atendia aos interesses do povo, Pecequilo acha que a sociedade de hoje está muito dividida. “Os partidários da linha dura, e de Ahmadinejad, são contra atualizações da revolução de 1979, ou seja, maior participação dos jovens, das mulheres, maiores liberdades religiosas e sociais. E eles formam um grupo numeroso e coeso. Quem delega por transformações, os reformistas, apoia Mousavi e Kathami, o ex-presidente. Hoje há pressão para que uma sociedade dividida entre modernizadores e tradicionalistas encontre um novo caminho”.
Na avaliação do iraniano Sohrab Mahdavi, editor do portal Tehran Avenue, as semelhanças entre os protestos atuais e os de 1979 existem, mas se restringem à participação de variados setores da sociedade. “Há tanto remanescentes da revolução, pessoas na casa dos 60 anos, como estudantes e donas de casa. Exatamente da mesma forma como foi em 1979. Mas é só isso”.
Durante manifestação realizada ontem (15) em Teerã, uma pessoa foi morta após ser atingida por tiros disparados pela milícia Bassij, grupo de estudantes leais ao aiatolá e subordinados à guarda revolucionária iraniana. Há relatos não confirmados de outras sete mortes.
Hoje (16), manifestações a favor de Ahmadinejad e Mousavi aconteceram na capital iraniana.
Contra Ahmadinejad ou pró-Mousavi?
Na opinião de Sohrab Mahdavi, apesar de as manifestações serem também em repúdio à vitória de Ahmadinejad, a figura de Mousavi é o ponto motivador. “Mousavi conquistou apoio porque é considerado independente, fora do círculo tradicional da política iraniana. Ele se pintou como um ‘outsider’ para convencer as pessoas a votarem nele. Os protestos são para a entrada dele no poder”.
A advogada iraniana Lily Mazahery, fundadora da instituição para a proteção dos direitos das mulheres Legal Rights Institute, com sede em Washington, tem opinião diferente. “A energia vista nas passeatas não é por causa de Mousavi. É uma rejeição ao sistema político iraniano, baseado em opressão, na falta de liberdade e na ausência de democracia”.
“Para mim, ele [Mousavi] está equivocado ao se associar à cor verde, que significa liberdade, e polarizar as tensões. O que está acontecendo no Irã é maior do que Mousavi e todos estão ansiosos para ver o desenrolar desta mini-revolução”.
Para Mohamed Habib, os protestos são tanto contra Ahmadinejad quanto a favor de Mousavi, mas também há mais interesses em jogo.
“O Ocidente está muito interessado em ver uma candidatura de oposição ganhando a eleição. Antes da revolução islâmica, o Irã sempre foi aliado e explorado tanto pela Grã-Bretanha quanto pelos Estados Unidos. A partir da revolução de 1979, o Irã como Estado independente toma uma direção totalmente oposta à anterior. No entanto, sempre existiram pessoas do regime anterior na Europa, nos Estados Unidos, que sustentam esse regime interno oposicionista, que defendem um país laico, um relacionamento diferente com o Ocidente”.
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