Aos 75 anos, o presidente uruguaio Pepe Mujica é a principal liderança remanescente do grupo que pegou em armas no final dos anos 1960 e 1970 na organização que ficou conhecida como Tupamaros.
Em 2009, durante a campanha para a presidência, Mujica desvinculou-se do partido originado deste grupo, o MPP (Movimento de Participação Popular), que integra a coalizão Frente Ampla que governa o país. O objetivo da saída, consensual, foi definido pelo próprio MPP como necessidade para “encarar sua responsabilidade como candidato de todos os frenteamplistas”.
Leia mais:
O dia em que a guerrilha do presidente Mujica executou o mestre da tortura Dan Mitrione
Uruguai relembra 37 anos de golpe que instaurou última ditadura
Perfil: Pepe Mujica, alma de guerrilheiro e discurso conciliador
Como grupo guerrilheiro, o Movimento de Liberação Nacional–Tupamaros atuou no Uruguai nos anos 1960 e 1970. O nome da organização homenageia o inca Túpac Amaru II, líder da última grande rebelião indígena, executado pelos espanhóis em 1781.
A origem do movimento está ligada a protestos populares durante a crise que atingiu o país após o fim de Segunda Guerra Mundial. O Uruguai viveu um momento de industrialização e de poupança interna durante o conflito, graças à venda de carne para os países em combate e à dificuldade em importar bens de consumo.
Com o fim da guerra, esse processo conheceu seu limite quando a elite pecuarista direcionou lucros para os bancos internacionais e a ampliou o consumo de produtos importados. O Uruguai passou então por uma redução relativa da oferta de bens industriais e serviços, além de uma desvalorização do peso provocada pela demanda dos dólares que enviavam para fora.
Resistência
Uma onda de lutas eclodiu pelo país. A resposta do governo conservador foi uma escalada repressiva, responsabilizando as reivindicações salariais pela alta de preços.
Uma das categorias que se organizaram para essas campanhas, no início dos anos 1960, foi a dos trabalhadores da cana-de-açúcar no norte do Uruguai, que viviam em condições subumanas. O centro de sua atividade era o distrito de Artigas. Eles pediam o cumprimento das leis trabalhistas e a distribuição de terras. Por quatro vezes, marcharam sobre Montevidéu, enfrentando a truculência da polícia. Essa resistência evoluiu para a criação do Movimento de Libertação Nacional, fundado oficialmente em janeiro de 1966. Um dos maiores feitos dos tupamaros foi a ocupação da cidade de Pando, no final dos anos 1960. A cidade foi tomada por 50 guerrilheiros, que durante meia hora assaltaram os estabelecimentos financeiros, distribuíram panfletos e, depois, fugiram em disparada.
Um erro na retirada, contudo, levaria três tupamaros à morte, além da prisão de outros 16 combatentes e sérios danos na infraestrutura da operação. Pepe Mujica foi um dos que conseguiram furar o cerco policial.
Ditadura e fuscas
Em pouco tempo, os tupamaros superaram a marca de 5 mil militantes. O general Óscar Diego Gestido Pose (1901-1967), eleito presidente em 1966, morreria no início do mandato. O vice, um ex-pugilista chamado Jorge Pacheco Areco, do Partido Colorado, assumiu o cargo com mão-de-ferro.
Não fechou o parlamento nem os tribunais, mas transformou o país em uma praça de guerra. O MLN desafiava o poder todos os dias, todas as horas. Virou o inimigo número um do governo, que chegou a proibir a citação do nome da organização na imprensa – passaram a ser tratados como “os inomináveis”.
Eram tantos os automóveis roubados para as ações – quase sempre fuscas, o mais popular da época -, que a Volkswagen publicou, em algumas revistas europeias, um anúncio sob o título: “Compre um fusca. O carro preferido dos tupamaros”.
Em 1972, o exército assumiu integralmente o combate à insurgência, após o MLN executar quatro policiais supostamente ligados a esquadrões da morte. No ano seguinte, em 27 de junho, o sucessor e correligionário de Areco, Juan María Bordaberry, aceitou ser a fachada civil de uma ditadura militar que lançou o país numa época de terror.
No começo dos anos 1980, com a crescente resistência antiditatorial, os militares começaram a negociar sua saída de cena. Patrocinaram um pacto com os partidos tradicionais – Blanco e Colorado – para a convocação de eleições sem a participação da esquerda. O conservador Julio Sanguinetti, colorado, foi eleito presidente e tomou posse em 1985. O parlamento aprovou uma lei de anistia e, em março do mesmo ano, todos os presos políticos foram soltos.
Reconstrução
Quando os “velhos” saíram da cadeia, o MLN não existia mais. Durante vários meses, em 1985, os dirigentes históricos cruzaram o país convocando os militantes dispersos para a retomada do movimento.
O MLN se reconstruiu como uma espécie de vanguarda com centenas de militantes, em torno da qual organizou-se uma corrente mais ampla, o MPP – que, por sua vez, passou a integrar a Frente Ampla, fundada em 1971, que “aglomera” o voto recebido pelos diversos partidos que a integram (no Uruguai, o voto é proporcional: cada facção interna dos partidos tem sua própria lista eleitoral e, na apuração, as listas de cada partido são somadas para aferir o percentual geral da agremiação e dividir os assentos parlamentares).
A partir desta organização, os tupamaros e seus aliados da Frente Ampla conseguiram levar o “velho” Mujica à presidência do país.
Siga o Opera Mundi no Twitter
NULL
NULL
NULL