Em fevereiro de 2009, o então estudante da Universidade Federal de Santa Catarina Ricardo Tetzner voltava de viagem da Bolívia quando percebeu, ao tentar embarcar num ônibus em Cochabamba, que teve sua carteira furtada. Sem nenhum documento e sem dinheiro para pegar o ônibus e nem mesmo para comer, Tetzner dormiu no chão da rodoviária. No dia seguinte, depois de procurar, sem sucesso, ajuda da polícia local, ele foi até o consulado brasileiro em Cochabamba, onde retirou em poucas horas os documentos para poder sair da Bolívia e recebeu do consulado 400 bolivianos (cerca de 130 reais pela cotação da época) para almoçar, tirar fotos para os novos documentos e para a viagem de volta.
Esse é um caso extremo, mas que exemplifica o tipo de serviço prestado pelos postos diplomáticos brasileiros no exterior. Desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o número desses postos cresceu mais de 40%, somando atualmente 226. Hoje o Brasil tem embaixadas em 132 dos 192 países que integram a ONU (Organização das Nações Unidas) – no ano 2000 eram 92. Somam-se ainda os escritórios de representação na Palestina e em Taiwan (que, como não são Estados independentes, não podem receber embaixadas), as 79 repartições consulares, as 12 missões junto a organismos internacionais e o escritório contábil do Itamaraty em Nova York.
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Para o professor de Relações Internacionais da UnB Antônio Carlos Lessa, mesmo que o presidente Lula não consiga eleger sua sucessora, a ex-ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, não deve haver alterações bruscas nessa política. “Mesmo se o [ex-governador de São Paulo e candidato do PSDB, José] Serra vencer, não acho que ele fará uma mudança do dia para a noite. Ele pode até não continuar abrindo novos postos diplomáticos, mas não tem como desfazer tudo de uma vez. Esse é um processo de longo prazo, o Brasil demorou para construir essa nova imagem”, disse o professor da UnB.
O presidente da Fiesc (Federação das Indústrias de Santa Catarina), Alcantaro Corrêa, concorda. “Não tem como voltar atrás nessa tendência, mesmo se mudar o governo. Para aumentarmos nossa participação no mundo temos que investir na promoção comercial do Brasil, não dá para economizar moedinhas”, afirmou.
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Atendimento ao cidadão
O Opera Mundi ouviu várias histórias de cidadãos brasileiros que precisaram de auxílio da diplomacia brasileira pelo mundo. Alguns, como Tetzner, têm só elogios. “Consegui mais do que esperava do consulado, pois queria só a documentação e a passagem para voltar ao Brasil e eles me deram inclusive dinheiro para alimentação. Se eu precisar novamente, com certeza o primeiro lugar que procurarei será um consulado ou embaixada, e não a polícia local”, disse o estudante.
Outros, que precisaram para questões burocráticas, como renovar o passaporte e retirar documentos para estudar ou casar no exterior, em geral conseguiram o que buscavam, embora algumas vezes com contratempos. Débora Remor, jornalista catarinense morando há dois anos na Itália, conta que conseguiu rapidamente com o consulado em Roma os papéis necessários para o seu casamento.
Já Nicolas Pontes, doutorando em Marketing em uma universidade australiana, precisou em março renovar seu passaporte, mas inicialmente teve dificuldade para conseguir atendimento. Ele explica que em Melbourne não existe atendimento ao cidadão brasileiro – na Austrália, só há a embaixada em Camberra e um consulado em Sydney. “Melbourne é a capital comercial daqui, é a São Paulo australiana. Eu imagino que deveríamos ter um consulado aqui ou que, pelo menos, o atendimento fosse possível por telefone, e não somente pela internet”, disse. Mesmo assim, conta Pontes, para sua surpresa o novo passaporte chegou após uma semana, menos que o prazo estipulado pela própria embaixada.
Uma crítica comum é em relação ao atendimento propriamente dito – horário de atendimento curto e funcionários sem preparação muitas vezes sem disposição para ajudar. Henrique Campolina, que desde 2008 estuda a língua chinesa em uma universidade de Pequim, reclama que não conseguiu com a embaixada a documentação que precisava para renovar sua bolsa. Ele conta que os atendentes só falavam mandarim ou, no máximo, um espanhol com forte sotaque chinês. “A minha impressão é que só te auxiliam na embaixada em Pequim se você precisar de algo em que seja cobrada alguma taxa, como documentos de procuração e outros. O atendimento é péssimo e faltam falantes de português para trabalhar lá. Prefiro resolver as coisas sozinho a recorrer à embaixada depois das experiências que tive, até porque já ouvi várias outras histórias semelhantes à minha aqui”, disse Campolina ao Opera Mundi.
Promoção comercial
Outra função importante das embaixadas e consulados é na promoção comercial e no auxílio a empresários brasileiros. Essa é uma das atribuições, por exemplo, da representação brasileira no Benin, pequeno país africano de menos de nove milhões de habitantes. Aberta em 2006, meses após uma visita do presidente Lula ao país, a embaixada na capital Cotonou procura dar segurança aos empresários brasileiros que buscam negócios por lá. “Nossa preocupação é evitar que os brasileiros caiam em golpes de empresas não idôneas, principalmente da Nigéria [país vizinho ao Benin], que se passam por importadores para dar tirar dinheiro de empresários estrangeiros. Por isso o nosso foco é passar informações precisas e ajudar no contato com os empresários e o governo local”, explica o diplomata Hélio Caldas.
Segundo ele, o comércio bilateral ainda é pequeno, até pela dimensão da economia de Benin, mas há oportunidades em alguns setores, como nas áreas de alimentos e mineração. A embaixada está intermediando o contato de um grupo brasileiro com a prefeitura de Cotonou, para que essa empresa implante o sistema de transporte urbano na capital e também interurbano para as cidades vizinhas – atualmente há apenas serviços autônomos e desorganizados de mototáxi.
Corrêa, avalia que o atendimento da diplomacia aos empresários brasileiros melhorou muito nos últimos anos. “Houve uma mudança enorme por parte da nossa diplomacia. Vemos hoje muito interesse e melhor estrutura das embaixadas e dos consulados para receber os empresários brasileiros e ajudar nos contatos locais. Há 10 anos não havia isso”, afirmou.
Ele conta que, em recente missão empresarial da Fiesc, os empresários catarinenses receberam grande suporte na Turquia, nos consulados em Istambul e em Izmir. “O embaixador não pode nos receber por motivo de saúde, mas deixou toda uma estrutura preparada para nos auxiliar, mandou inclusive pessoal da embaixada em Ancara para nos ajudar nos contatos em Istambul”, disse, acrescentando que teve atenção semelhante em vários dos países por onde passou a negócios recentemente.
Antônio Carlos Lessa concorda que houve melhora nessa área, mas afirma que ainda é preciso avançar mais. “Durante muito tempo a promoção comercial foi considerada um tema menor dentro das atribuições da diplomacia brasileira. É perceptível já uma mudança nessa postura, mas é necessário um verdadeiro choque de cultura no Itamaraty para que isso passe a ser definitivamente uma prioridade, é muito importante para o país”, disse.
Integração cultural
As representações brasileiras no exterior também atuam na integração entre os países. Segundo o diplomata Caldas, essa é a área de maior atuação da embaixada no Benin. Ele explica que a maior parte dos escravos que foram levados para a Bahia era da região onde hoje fica o Benin. Após a abolição no Brasil, em 1888, muitos ex-escravos retornaram à terra natal e hoje seus descendentes formam uma grande comunidade local conhecida como Agudá. “Por isso, há diversas demandas para integração principalmente dessa comunidade com o Brasil”, disse Caldas.
Além de organizar eventos culturais, levando artistas brasileiros para se apresentarem lá, a embaixada recentemente deu apoio à formação de um grupo de capoeira local, promovendo o intercâmbio com um mestre capoeirista de Brasília. Em setembro de 2009 chegou ao país uma professora brasileira que, a partir de uma demanda da maior universidade local, está lecionando a língua portuguesa como segunda opção no curso de Letras Inglês. Com o salário pago integralmente pelo Itamaraty e pelo Ministério da Educação brasileiro, a professora Isabel Moreira de Aguiar acabou atendendo novas demandas da população e do governo local. Além de ensinar português também a membros da comunidade Agudá, a estudantes locais que pretendem fazer intercâmbio no Brasil e até a funcionários do Ministério das Relações Exteriores de Benin, Isabel está dando aulas na principal rádio de Cotonou, em um programa semanal de 30 minutos.
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