Com mais de 99% dos votos das eleições parlamentares já apurados, os ucranianos confirmaram nas urnas o desejo de aproximação com a União Europeia e de distanciamento da Rússia. O presidente Petro Poroshenko antecipou o pleito, que seria realizado somente em 2017, com o objetivo de “limpar o Parlamento da influência do ex-presidente Viktor Yanukovich”, deposto em fevereiro deste ano.
Para Vadim Karasyov, diretor do Instituto de Estratégias Globais de Kiev, a antecipação das eleições “favoreceu enormemente os partidos pró-Ocidente”, pois aconteceu em meio a um crescente sentimento anti-Rússia na Ucrânia. “Não estou dizendo que seja bom ou ruim. É apenas uma constatação. As vontades e as necessidades dos ucranianos mudaram muito rapidamente. Não houve muito tempo para reflexão, mas as pessoas esperam que a mudança seja positiva”, argumentou.
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Eleições parlamentares foram realizadas no último domingo (26/10)
Os três partidos que obtiveram mais votos defendem o ingresso do país na União Europeia. O partido Frente Popular, encabeçado pelo atual primeiro-ministro, Arseni Yatseniuk, chegou na dianteira, com 22,16% dos votos, seguido de perto pelo partido Bloco do Poroshenko, liderado pelo atual presidente, com 21,83%. Em terceiro lugar, veio o Partido Samopomich (Autosuficiência, em tradução livre) com 10,98% dos votos, que tem como líder Andriy Sadovyi, prefeito de Lviv, no oeste do país, um dos bastiões pró-Europa da Ucrânia.
Os três partidos juntos chegam à marca de 54,97% dos votos. “São partidos pró-Ocidente, anti-Rússia, nacionalistas e que defendem valores tradicionais e conservadores”, explicou Karasyov. “Um lado bastante positivo deste resultado é que os três partidos se comprometem com a resolução pacífica do conflito no leste da Ucrânia.”
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Segunda a lei eleitoral ucraniana, apenas os partidos que atingem 5% de votos podem ser representados no Parlamento. Desta forma, dos 29 partidos que estavam na disputa, somente seis irão eleger parlamentares.
O Bloco de Oposição, único partido pró-Rússia que conseguiu atingir a marca mínima para eleger parlamentares, terminou em quarto lugar, com 9,40% dos votos.
O Parlamento contará ainda com o Partido Radical, com 7,45% dos votos, e o Partido União de Toda a Ucrânia, também conhecido como Partido da Pátria, com 5,68%, de Yulia Timoshenko, ex-primeira-ministra. Ambos os partidos são pró-Ocidente e defendem que o fim do conflito no leste do país deve ser à base da força.
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Voluntarios do batalhão do partido Setor de Direitas (SD) fazem guarda em Peski
Em seu primeiro discurso como líder vitorioso das eleições parlamentares, o primeiro-ministro Yatseniuk propôs uma aliança entre os cinco partidos pró-Ocidente que conseguiram assentos no Parlamento. A coalizão teria 68,10% dos votos e se chamaria “Ucrânia Europeia”. Segundo o primeiro-ministro, o nome é “em homenagem às pessoas que lutaram na Maidan (praça principal de Kiev)”. E concluiu: “as pessoas esperam que a gente cumpra o acordo com a União Europeia e que a Ucrânia se torno um país europeu”. Yatseniuk pretende formalizar todas as alianças no prazo de 20 dias.
O líder do partido Bloco de Oposição, Yuriy Boiko, prometeu “colaborar com o governo em assuntos-chave” e garantiu o apoio a qualquer plano que leve à paz no leste do país.
Guinada irreversível ao Ocidente
O cientista político Dmitry Porenko acredita que o povo ucraniano deixou um recado claro nas urnas. “Em 2012 tínhamos um país dividido, com o leste pró-Rússia e o oeste, pró-Europa. Agora temos pouquíssimas regiões que ainda estão sob a influência russa. Na verdade, quase exclusivamente quatro regiões do extremo leste: Kharkiv, Luhansk, Donetsk e Zaporizhia”, analisa Porenko.
Para ele, no entanto, o mais importante é o fato de os ucranianos terem demonstrado nas urnas que apoiam o diálogo, deixando os defensores de um conflito armado com resultados aquém dos esperado. “O partido Svoboda, por exemplo, ficou abaixo dos 5% exigidos. O discurso deles está muito mais moderado do que antes, mas mesmo assim eles não lograram eleger nenhum representante. Ninguém quer alimentar o ódio. O partido Setor Direita também não conseguiu eleger parlamentares”. E completa: “É verdade que havia muitas forças extremistas durante os protestos, mas não é a maioria da população. Quem lê as notícias russas pensa que os ucranianos estão apoiando fascistas, mas esses (os fascistas) são uma minoria”.
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Seguidores do Svoboda protestam contra supostas irregularidades nas eleições; partido ficou fora do Parlamento
O Svoboda teve 4,71% dos votos e o Setor Direita, 1,80%. Ambos os grupos foram ativos nos protestos na praça Maidan, de Kiev, e são acusados de extremismo e nacionalismo.
O Bloco do Poroshenko declarou nesta semana que não exclui a possibilidade de chamar o Svoboda para compor a coalizão pró-Europa, já que o partido representa algumas das aspirações dos protestos da Maidan.
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Já a conversa com o Setor Direita não é vista como viável. “Eles não apoiam a integração da Ucrânia com a União Europeia nem a aproximação com a Rússia. O partido diz que os dois lados teriam apenas ‘ambições imperialistas’ com a Ucrânia”, explica Porenko. O Setor Direita é apontado ainda como antissemita e de flertar com a ideologia nazista. “Com o Setor Direita não haverá possibilidade de diálogo. E que bom que os ucranianos entendem isso”, afirma o cientista político.
A vontade de distanciamento da Rússia também foi evidenciada pelo baixo apoio ao Partido Comunista da Ucrânia (KPU, na sigla em ucraniano). O partido terminou em oitavo nas eleições, com apenas 3,87% de votos, e, pela primeira vez na história do país, não terá um representante no Parlamento. “Isso é um recado claro que os ucranianos estão dando à Rússia. É uma guinada irreversível ao Ocidente. O Partido Comunista da Ucrânia foi contra a deposição do (ex-presidente) Yanukovich, contra os protestos na Maidan e apoiou a anexação da Crimeia pela Rússia, além de financiar os separatistas do leste”, conta Porenko. Nas eleições do último domingo, o KPU obteve 11,88% dos votos em Luhansk e 10,05% em Donetsk, as regiões pró-Rússia, quase o triplo da média nacional.
Eleições no leste do país
Os líderes da autoproclamada Novarrússia (regiões de Donetsk e Luhansk) organizam eleições regionais para o próximo domingo (02/11), quando pretendem escolher seus próprios parlamentares e presidentes, sem a interferência do governo central de Kiev.
O governo ucraniano havia concordado em conferir maior autonomia ao leste do país e definiu a data das eleições regionais para o dia 7 de dezembro. Os separatistas não concordaram e mantêm a data do pleito na região para 2 de novembro, uma semana depois das eleições parlamentares na Ucrânia.
Kiev não reconhecerá o resultado. O secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, disse que a votação viola a constituição ucraniana. A União Europeia também alertou que as eleições no leste do país não são legítimas e que “sabotam o acordo de paz” assinado em Minsk (Belarus). A Rússia já informou que reconhecerá as eleições organizadas pelos separatistas.
Desde a assinatura do cessar-fogo, em 5 de setembro, pelo menos 300 pessoas foram mortas no leste da Ucrânia.