O escândalo dos “falsos positivos” – como são chamados os civis assassinados por militares e contabilizados como guerrilheiros mortos em combate – é o maior da história do Exército colombiano. Desde 2002, foram 2 mil casos. Corpos de civis vestidos com trajes camuflados são apresentados como inimigos mortos em combate, para que os militares obtenham uma série de benefícios e recompensas do Estado.
“Cada corpo tem seus trajes de guerrilha e as armas”, conta Chucho, o coveiro do cemitério de La Macarena. “Faço a autópsia e enterro cada um com suas coisas. Se eles têm um codinome, escrevo na cruz. Se não, deixo só o número do protocolo do caso da Promotoria.” Quando se pergunta sobre os falsos positivos, Chucho nega e fica na defensiva. “Para mim, são apenas NN (não-identificados). Em tantos anos, aprendi a reconhecer os guerrilheiros. Eles têm o cheiro da selva, a cor da selva. Aqui, o que o Exército me traz são guerrilheiros mortos em combate”.
Mas Diana não concorda. “Meu filho José Antonio está enterrado aqui”, garante, depositando uma flor sobre uma cruz que diz: “Registro 31, 21 de março de 2006” (foto acima). “Ele estava com 24 anos quando o Exército o matou. Era um camponês, não entendia nada de armas, nunca as usou, nunca se meteu com a guerrilha, era um rapaz trabalhador. Quando ele foi 'desaparecido', houve um desembarque de militares no povoado do alto Cachicamo, onde moro. Ele estava com meu vizinho, que se escondeu em casa. Quando os soldados foram embora, dois dias depois, o vizinho foi procurar José Antonio, mas não encontrou. A casa estava toda revirada, começaram a procurá-lo por toda parte. Perto de um posto militar, encontraram algumas coisas de meu filho meio queimadas. Foi aí que decidiram me avisar. Fomos até a Promotoria, onde me mostraram as fotos dos últimos guerrilheiros enterrados como NN, e então eu vi e o reconheci. Puseram nele um fuzil, roupa militar e cartuchos. Deram um tiro atrás da cabeça e outro no tornozelo, que estourou seus ossos. É o pior, o pior que pode acontecer com uma mãe”.
“Guerra limpa”
Tanto movimento da reportagem do Opera Mundi no cemitério deve ter chamado a atenção dos militares da Fudra (força de ação rápida do Exército colombiano), pois um major ligou para o celular de Chucho e, pouco depois, um coronel acompanhado por outros militares apareceu e nos convidou para um encontro do general com os moradores, para decidir sobre a construção de uma estrada pavimentada.
“Desde quando cheguei”, comenta o general Pérez, “não escutei queixas sobre o tema dos falsos positivos. Este não é nosso cemitério, apenas estamos perto. Quando ocorrem baixas, os corpos são recolhidos pelo CTI (Corpo de Investigação Técnica) da Promotoria, e eles mesmos levam para o cemitério. Nesta área, felizmente, a guerra é muito limpa, força contra força. Há mortos, mas só em combates regulares. Combatemos diariamente contra o bloco oriental das Farc e nossa missão é eliminá-lo”.
Pérez (foto acima) foi diplomata em Roma até pouco meses atrás, quando foi convocado para comandar a Fudra. Ele representa a linha do diálogo do Exército colombiano, a dos comandantes atentos ao tema dos direitos humanos, que entenderam, por exemplo, que agora o país está sujeito à intervenção do Tribunal Penal Internacional e que o promotor Luis Moreno Ocampo estuda bem de perto a questão dos falsos positivos.
Confiança perdida
La Macarena é a parte do país onde se experimenta o que o governo chama de “consolidação integral”. Assim que são recuperadas as zonas das mãos dos grupos armados, busca-se consolidar a presença do Estado colombiano e de todas as suas instituições. As plantações de coca são erradicadas, a economia legal é fomentada e o Exército começa a cumprir funções cívicas, tentando conquistar a confiança da população, perdida nos anos de combate.
Antes de voltar para sua cidade, Diana se encontra com Héctor Torres, um defensor dos direitos humanos que tem percorrido todo o Meta a fim de acompanhar as vítimas e convencê-las a denunciar os crimes.
“O medo ainda é grande”, conta ele. “Há dezenas de pessoas desaparecidas nos 153 vilarejos deste município, ou centenas se incluirmos os outros municípios. Muitos sabem que seus parentes estão enterrados aqui, mas não falam por medo. É verdade que os combates são intensos nesta zona, mas tampouco podemos nos esquecer de todos estes desaparecidos. Enquanto não ganharmos a batalha contra o medo e a Promotoria não começar a escavar este cemitério, os segredos continuarão enterrados com os NN”.
Leia a primeira parte:
*Texto e fotos.
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