Aumento de impostos, desemprego e cortes de subsídios. Foi este o legado da passagem de três anos (2011-2014) da troika — grupo formado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), Comissão Europeia e BCE (Banco Central Europeu) — por Portugal. Neste domingo (17/05), completa-se um ano desde que o programa econômico pós-crise marcado pela política de austeridade deixou o país. No entanto, os impactos sociais das medidas de cortes de gastos públicos ainda não conseguiu ser revertido.
Como resultado: os portugueses, descrentes, não conseguem falar sobre política, economia ou sociedade sem reclamar. As perspectivas de melhoras são ínfimas sob o governo do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho (PSD), no poder desde 2011. A crise econômica e financeira e — sobretudo — a troika contribuíram para a descrença da população em um horizonte menos espinhoso.
Leia também:
Com 20% da população no exterior, Portugal cria plano para incentivar regresso de cidadãos
Marcelo Montanini
Entre 2011 e 2014, troika conduziu finanças portuguesas após crise econômica europeia; resultado ainda não foi revertido
O balanço dos três anos do programa de ajustamento no país não é positivo: o desempenho da economia não melhorou; a dívida pública subiu para 131,8% do PIB (Produto Interno Bruto) — sendo uma das três maiores da União Europeia —; e o índice de desemprego está entre 13% e 14%. Além disso, grande parte dos portugueses em condições de trabalho tem emigrado nos últimos anos.
NULL
NULL
Há 13 anos em Portugal, a assistente social brasileira Evonês Santos, 37 anos, trabalha na ALCC (Associação Lusofonia, Cultura e Cidadania), que auxilia portugueses e imigrantes, sobretudo, africanos e brasileiros com o objetivo de integrá-los social e profissionalmente. A assistente social comenta que o fluxo de pessoas que procuram a associação diminuiu, mas ainda assim cerca de 120 pessoas vão todos os meses ao gabinete de apoio social. Muitos imigrantes que estavam em Portugal voltaram aos países de origem.
“Os problemas sociais foram os primeiros a surgirem, mas também são os últimos a serem alterados”, diz Evonês, acrescentando que, na prática, as melhorias ainda não aconteceram. “A população pobre ficou miserável, a classe média ficou pobre e a pobreza envergonhada [termo usado para referir-se à 'nova' classe média que voltou à pobreza] aumentou drasticamente”, afirma. Apesar de perceptível, não há números oficiais sobre esta faixa da população no país.
Desemprego
Para a aposentada Fátima Meira, 54 anos, a situação do país piorou depois da presença da troika, com mais desemprego, aumento no IRS (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares), cortes nos subsídios e privatizações desenfreadas. Estima-se que o país extinguiu entre 300 mil e 500 mil postos de trabalho durante os três anos do programa.
“Arrebentaram a classe média e é ela que dinamiza o consumo. Comércios fecharam e eu conheço gente que vive à custa de ajuda, com muita dificuldade”, afirma Fátima.
Segundo a aposentada, nunca houve tantas medidas que foram para o Tribunal Constitucional como neste governo. Inclusive, houve cortes no valor da aposentadoria e, após ir para o Tribunal, reconstituíram os valores pagos.
A corrupção se tornou um tema sensível aos portugueses, que nos últimos tempos começaram a centrar uma atenção e, sobretudo, uma tensão relativa ao assunto. “Dói quando cortam benefícios e depois nós vemos indivíduos que roubam na cara de pau milhões de euros”, comenta Fátima, em tom de inconformismo.
Na contramão desta crise, está Valdemar Jesus, 53 anos, diretor regional de uma multinacional de manutenção industrial, que também tem muitas reservas ao atual governo português. “Este governo cumpriu com a troika, mas falhou no mais importante: estimular a economia para poder haver criação de empregos. Hoje Portugal é um dos países da União Europeia com os impostos mais altos e com os salários mais baixos”, avalia.
“A troika fez um péssimo trabalho, mas não foi ingênua. Obrigou Portugal a privatizar as melhores empresas em setores chaves da economia e da soberania portuguesa. Os Correios, EDP, Galp”, esbraveja Jesus. “Nem todas as privatizações estão no seio da troika. Privatizaram até empresas que davam lucros, como o CTT [Correios]”, aponta Fátima.
A incredulidade quanto à perspectiva de melhora do país é latente em todos os portugueses. Fátima, que é simpatizante do PSD (Partido Social Democrata), diz que a mudança passa pela saída do premiê Pedro Passos Coelho (PSD). Já Jesus é menos confiante. “Nem daqui a 20 anos teremos uma situação que tínhamos em 2011, antes da troika”, destaca Jesus, descrente.