O Parlamento uruguaio vai analisar nessa semana um projeto de lei elaborado pelo governo que reconhece as violações dos direitos humanos cometidas pelo Estado na última ditadura militar e prevê reparações para as vítimas. O projeto ainda reconhece que, nos anos anteriores à ditadura, de 1968 a 1973, o Estado foi responsável por “práticas ilegítimas”. A iniciativa já motivou críticas de organizações de ex-presos políticos e dos partidos de oposição.
As primeiras reclamam que o projeto não inclui indenizações justamente para quem esteve preso ou exilado durante a ditadura. No atual governo, foi aprovada uma lei que os beneficia, mas só para efeito de seguridade social. As organizações também consideram insuficiente a quantia destinada a cada vítima: 40 mil dólares para familiares de desaparecidos e assassinados; 30 mil dólares para crianças que tenham permanecido desaparecidas por mais de 30 dias e 20 mil dólares para quem tenha sofrido lesões gravíssimas por causa da atuação do Estado.
“As quantias determinadas não levam em conta as sentenças judiciais precedentes, o conjunto das vítimas não é abordado e as mulheres não recebem tratamento preferencial”, questionou Gastón Grisoni, dirigente da associação de ex-presos políticos Crysol, em conversa com o Opera Mundi. O advogado especializado em direitos humanos Óscar López Goldaracena, autor do projeto que serviu de base para a iniciativa do governo, concorda que ela deveria ser reformulada, pois, “lamentavelmente, universos de vítimas muito definidos, como as pessoas que estiveram presas, ficam de fora de alguns parâmetros de reparação”.
Os parlamentares da coalizão de esquerda que governa o país, a Frente Ampla, “lamentam” as queixas e apontam a importância de o Estado reconhecer seus crimes publicamente. A senadora frenteamplista Margarita Percovich explicou que não foi possível oferecer uma indenização maior porque só podiam ser utilizados os 17 ou 18 milhões de dólares previstos no orçamento anual para este fim.
“O importante é que o Estado reconheça que foram cometidos crimes de lesa humanidade, e isto foi feito. Há dois anos, não havia acordo na bancada da Frente Ampla para este reconhecimento”, lembrou. O projeto de lei inclui outras formas de reparação, como atendimento médico e psicológico gratuito para os ex-presos políticos, a entrega de um documento no qual a pessoa é reconhecida como vítima do Estado, a colocação de placas em lugares emblemáticos da repressão e o compromisso do governo de que acontecimentos desse tipo não se repetirão.
O Uruguai junta-se assim a outros países que aprovaram leis indenizatórias na região, embora as quantias oferecidas sejam bem mais baixas. A Argentina possui desde 1991 uma norma que ampara os presos políticos, parentes de desaparecidos e assassinados e crianças nascidas em cativeiro. O valor da reparação depende do direito violado. Se foi a liberdade, como no caso dos detidos, paga-se atualmente o equivalente a um salário mensal de 1.100 dólares. No caso dos mortos e desaparecidos, a quantia é de cerca de 150 mil dólares por vítima.
Brasil
No Brasil, a partir de uma lei aprovada em 2002, todas as pessoas que foram perseguidas pela última ditadura militar nesse país têm direito a se apresentar diante da Comissão de Anistia criada pela dita norma. Esta determina se a pessoa pode ser considerada um anistiado político e dita os direitos que devem ser reintegrados e a reparação correspondente a cada caso.
A reparação tem duas modalidades: uma prestação única ou uma prestação mensal e permanente. A primeira corresponde às pessoas para quem a perseguição política não implicou um rompimento de vínculo trabalhista. Nestes casos se paga em função da quantidade de anos que a pessoa foi perseguida, chegando a um máximo de 50 mil dólares. Para os casos em que a perseguição levou também a um rompimento do vínculo trabalhista, corresponderá a uma prestação mensal
A Comissão de Anistia calcula qual haveria sido a evolução do profissional afetado, em função de um piso salarial, se não tivesse sido prejudicado pela ditadura. Para efetuar estes cálculos em primeira instância se recorria a declarações de empresas e de sindicatos sobre o montante dos salários, mas logo se comprovou que este mecanismo fixava salários muito acima do valor de mercado.
Hoje, a comissão recorre a parâmetros uniformes com base em indicadores de mercado proporcionados por instituições de investigação. Este câmbio implicou, por exemplo, no caso dos jornalistas perseguidos pela ditadura, que prestações mensais que antes chegavam a 9,5 mil dólares mensais, hoje não superam os dois mil dólares, segundo dados proporcionados ao Opera Mundi pelo Ministério da Justiça do Brasil.
Em valores médios, em seus quase oito anos de atuação, a comissão outorgou prestações únicas com médias que rondam os 28 mil dólares, e prestações mensais que alcançam uma média de 1,9 mil dólares.
Outras vítimas
A iniciativa de reparação que o governo uruguaio enviou ao Parlamento é questionada pelos partidos de oposição. Embora não se oponham diretamente a uma reparação, eles afirmam que o Estado também deve indenizar as vítimas da guerrilha do Movimento de Libertação Nacional (MLN), que atuou nos anos anteriores à ditadura militar. “A reparação tem de ser para todos, pois trata-se de circunstâncias trágicas vividas pelo país e o humanismo vale para os dois lados. Os danos sofridos pelas vítimas da sedição merecem ser reparados”, disse o senador Carlos Moreira, do Partido Nacional.
“Uma pessoa que morre merece o mesmo respeito, não importando de que lado caiu. Isso é o que não entendem os radicais de esquerda, que não querem virar a página da História. Porque o negócio político é continuar explorando os direitos humanos e continuar explorando os mortos”, afirmou o deputado Daniel García Pintos, do Partido Colorado.
Já a diretora de Direitos Humanos do Ministério de Educação e Cultura, María Elena Martínez, disse ao Opera Mundi que esse tipo de reclamação “não tem nada a ver com essa lei”. “A lei se refere às violações dos direitos humanos por parte do Estado. As outras vítimas foram assassinadas por pessoas que eram consideradas delinquentes naquele momento. Além disso, muitas vítimas da guerrilha já foram reparadas porque eram funcionários públicos”, observou.
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