Leonardo Lameda se cansou de conversar com seus amigos venezuelanos radicados nos Estados Unidos. “Segundo eles, estou vivendo na pior ditadura do mundo. Não sou chavista, nem anti-chavista, mas não aguento mais esta visão caricatural”, desabafa. Aos 29 anos, o jovem morador de Caracas decidiu se dedicar a mostrar a realidade do seu país ao público mais relutante possível: os turistas dos Estados Unidos.
Intérprete por formação, Leonardo fala um inglês perfeito, além de um excelente francês, que ele acredita estar, porém, um pouco “enferrujado”. Esta habilidade linguística foi decisiva para sua contratação pela associação Global Exchange, especializada na organização de “reality tours” desde 1989, em mais de 35 países onde existem conflitos de idéias e polêmicas, como Afeganistão, Vietnã, passando pelo Líbano e Coréia do Norte. A filosofia do grupo é tentar ir além dos clichês.
Leonardo Lameda, guia turístico incomum
“O interesse dos estrangeiros pela Venezuela decolou a partir de 2003, 2004, mais ou menos quando o presidente Hugo Chávez declarou pela primeira vez, durante o Fórum Social de Porto Alegre, que sua revolução era socialista”, conta Leonardo. Também, a tensão crescente entre Washington e Caracas levou muitos norte-americanos a se interessar pelo processo político.
É o caso de Josh Moody, 22 anos, que estuda Jornalismo e Ciência Política na Universidade de Nebraska. “Achava incrível que um chefe de Estado pudesse chamar Bush de ‘diabo’ na tribuna da ONU (Organização das Nações Unidas)”, relata. Em setembro de 2006, Chávez fez um ataque violento contra George Bush durante discurso na Assembléia Geral da ONU, acusando-o de se achar “o dono do mundo”. “O diabo veio aqui ontem. Ainda cheira a enxofre hoje”, afirmou, com um sinal da cruz, referindo-se ao fato de Bush ter discursado no mesmo local na véspera.
“Antes disso, a única coisa que sabia era que a Venezuela ficava do lado da Colômbia, e que tinha muito petróleo”, segue Josh. “Infelizmente, a grande imprensa em nosso país não transmite o que acontece na Venezuela com honestidade. Tenho que procurar meios alternativos para fugir de uma visão tendenciosa”, completa o jovem estudante.
Meca do turismo político
Durante os últimos anos, Caracas virou uma verdadeira Meca do turismo político para os “gringos”. Sean Penn, Oliver Stone, Kevin Spacey, Benicio del Toro, e até a modelo britânica Naomi Campbell fizeram a viagem, tal como centenas de anônimos. “A maioria são progressistas, em todos estes anos, tive só um republicano”, conta Leonardo.
Receber estes visitantes especiais não é uma tarefa fácil. “Em geral, a única coisa que falam de espanhol é “amigo, mi casa es tu casa”, não sei quantas vezes ouvi esta frase” conta o intérprete, rindo. Para evitar qualquer constrangimento, Leonardo explica logo no início que na Venezuela é normal chamar uma pessoa de “gordo”, “magrinho”, “negro”, “velhinho”, em função de sua aparência física. “Lembro que aqui é um sinal de carinho, não há razão para ficar ofendido”, diz.
Na terra de Simon Bolívar, a recíproca também vale: “a primeira coisa que esclareço é que eles não são americanos, mas estadunidenses, porque somos todos americanos”.
Itinerário
O périplo começa na capital. O jovem guia procura mostrar a polarização entre partidários do governo e opositores, que se reflete na cidade, cortada entre a zona oeste chavista e leste, anti-chavista. De um lado, a Catia TV, uma televisão comunitária favorável ao governo, do outro, a Praça Altamira, onde todos odeiam o “comandante”.
Típica imagem chavista em Caracas
O verdadeiro mergulho na “Revolução bolivariana”, porém, se faz fora da capital, nos estados de Lara e Miranda. Os visitantes têm a oportunidade de conhecer as chamadas “missões”, programas sociais que cuidam da saúde (“Barrio adentro”), da educação (missões “Robinson”, “Ribas”, “Sucre”) e da alimentação (“Mercal”) que constituem a base da popularidade do Chávez. “Mas não temos nenhuma relação com o governo, trabalhamos diretamente com as comunidades. Acreditamos na diplomacia dos povos” esclarece Leonardo.
Ele explica que o choque de realidade é sentido também nas condições impostas pela viagem. O grupo passa entre dez e vinte dias viajando sem luxo: “andamos de metrô, ônibus de cooperativas sem ar, e nos hospedamos em hoteizinhos bem simples, nada de Los Roques”, diz, em referência ao arquipélago paradisíaco a uma hora de avião de Caracas.
Contrastes
“Saí com a sensação que o povo venezuelano está tentando construir uma democracia com um jeito próprio”, ressalta Josh. O estudante diz ter entendido melhor as mudanças provocadas por Chávez durante os últimos anos, tanto as positivas como as negativas. “Fazemos questão de entrevistar pessoas da oposição, no começo e no final da viagem”, explica Leonardo. Ele mesmo relata que votou às vezes a favor do governo, às vezes contra.
O norte-americano Josh Moody, em Caracas
Aqueles viajantes que chegam ao país com a idéia de caminhar sobre uma terra comunista, sem liberdade de expressão, mudam rapidamente de opinião. Os que acham que a Venezuela é um paraíso socialista, também. A visão de líderes chavistas dirigindo um Hummer, enormes carros que parecem tanques de guerra, típicos do sul dos Estados Unidos, derruba as ilusões. “Eles veem menos pobreza, um sistema de saúde publica, mas também corrupção e insegurança. Não há pureza aqui”, resume Leonardo.
As missões educativas são as que chamam mais a atenção. Leonardo, que fala perfeitamente dois idiomas estrangeiros sem nunca ter saído do país se orgulha ao ressaltar que aprendeu tudo com a educação pública. “É um choque para eles: todos tiveram que contrair dívidas enormes para pagas os estudos. Eles percebem que o sistema baseado no dinheiro talvez não seja tão perfeito”, conta.
Mas, segundo Leonardo, a verdadeira fonte de inveja é menos nobre. “Quando paramos para abastecer os carros, eles que percebem que para encher todo o tanque com gasolina, temos que pagar menos de 3 dólares. Eles estão literalmente babando!”, conclui o guia.
* Texto e fotos
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