O antigo hotel de luxo Hilton, nacionalizado pelo governo Hugo Chávez e batizado de Alba, em referência à iniciativa chamada Alternativa Bolivariana para as Américas, ontem (15) parecia mais que nunca a sede do Partido Socialista Unido Venezuelano (PSUV). Nos corredores, bastava ver as feições das pessoas depois das 18h, quando as mesas eleitorais foram fechadas, para entender que a tendência era favorável a uma vitória do “sim” no referendo, ao contrário do que afirmavam as pesquisas de boca-de-urna da oposição.
Não deu outra. A emenda constitucional sobre o fim do limite à reeleição para cargos públicos eletivos (presidente, governadores, prefeitos e deputados), levada a consulta popular na Venezuela, foi aprovada. Reunido para uma entrevista coletiva antes mesmo do anúncio do resultado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), o Comando Bolívar, que pilotou a campanha pelo “sim”, comemorava. “Vitória popular! Vitória popular!”, gritava a platéia formada pelos principais ministros do gabinete de Chávez. Assista ao vídeo.
A confirmação, uma hora depois, pelo CNE provocou uma explosão de alegria no centro de Caracas, tomado pelos apoiadores de Chávez desde a tarde. Com 94,2% das urnas apuradas, mais de seis milhões de venezuelanos, ou seja, 54,36% do eleitorado, votaram a favor do projeto do presidente para emendar a Constituição – contra 45,63% de votos pelo “não”. O resultado permite que Chávez, que governa a Venezuela desde 1999, seja candidato de novo nas eleições de 2012.
Cerca de 70% dos eleitores votaram, bem mais que no último referendo, em 2007, quando o índice de comparecimento às urnas foi ligeiramente superior aos 55%. O voto é facultativo na Venezuela.
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“A menos que o povo decida pelo contrário, este soldado será candidato às eleições de 2012 para dirigir o país entre 2013 e 2019”, adiantou Chávez, num discurso feito do balcão do palácio presidencial de Miraflores. “Abrimos as portas do futuro. A Venezuela não voltará ao passado de indignidade”, declarou o presidente, diante de milhares de pessoas.
Emocionado, o presidente leu uma carta enviada pelo ex-líder cubano Fidel Castro, que o felicitou pelo resultado. “A primeira mensagem que recebi para o povo venezuelano foi a de Fidel Castro”, disse Chávez, provocando gritos na multidão. “Querido Hugo, felicidades para ti e para teu povo por uma vitória que, por sua magnitude, é impossível medi-la”, escreveu o cubano. “Esta vitória é tua também, Fidel, e do povo cubano e dos povos da América Latina”, conclui o presidente da Venezuela.
“Somos democratas”, diz opositor
Apesar de criticar a comemoração precoce do resultado, a oposição reconheceu a vitória do “sim”. “Somos democratas, reconhecemos os resultados que foram influenciados pelo vantagismo oficial”, declarou numa entrevista coletiva Omar Barboza, do partido Um Novo Tempo (UNT), liderado pelo ex-candidato presidencial Manuel Rosales. Mas ele ressaltou a importância do voto pelo “não”. “Já passamos a barreira dos 5 milhões de votos, enquanto o presidente Chávez continua perdendo apoio”, declarou.
Debaixo do balcão presidencial, Silvina Sanchez, uma jovem militante do PSUV, concordava. “Ganhamos, mas não foi suficiente. Tivemos menos votos do que em 2006, quando 7,3 milhões de venezuelanos reelegeram o presidente. Este é o resultado de certo cansaço, depois de dez anos de poder”.
“É verdade que o resultado é bom, mas a relação de forças não é tão excepcional assim”, reconhece um alto funcionário do governo, que pede para ficar no anonimato. “Significa que existe certa normalização da política venezuelana, ilustrada também pelo fato de a oposição reconhecer a vitória sem problema, o que não fazia antes. O povo ama Chávez, mas é mais pragmático. Deu para ver que Chávez não transmite mais votos de maneira sistemática. Agora, temos que governar”.
Por ora, Hugo Chávez festeja a primeira grande vitória desde as eleições regionais de novembro passado, quando perdeu o controle de Caracas e de estados importantes, e da derrota no referendo de dezembro de 2007. Na ocasião, a consulta popular foi sobre a mesma questão do fim do limite à reeleição, além de uma série de outras mudanças constitucionais. Desta vez, foi restrita à reeleição.
Para analista, oposição está defasada
Para Luis Vicente León, que dirige o instituto de pesquisa Datanalisis, “a vitória de Chávez mostra internamente, e para o resto do mundo, o tamanho de sua popularidade”. Ele acredita que o chavismo vai se poupar uma crise política, “já que o único candidato capaz de ganhar em 2012 é Chavez, e agora ele ganhou este direto”. León lamenta o “uso sistemático da máquina pública nesta campanha” e o fato de a oposição, apesar do crescimento nas urnas, “não conseguir demonstrar nenhuma criatividade, com uma classe política defasada em relação à população antichavista”.
Num discurso marcado pelo tom messiânico, Chávez prometeu “consumir-se” a serviço do povo venezuelano e disse que os eleitores decidiram seu “destino político”. Afônico, falou durante pouco mais de uma hora, muito menos que de costume. “Hoje começa o terceiro ciclo histórico, de 2009 a 2019. Abrimos a porta do futuro para continuar transitando a caminho da dignidade. Esse caminho não tem outro nome: é socialismo”, declarou o presidente, afirmando que “os que votaram pelo ‘sim' votaram pelo socialismo, pela revolução e por Chávez”.
Para o sociólogo Reinaldo Iturriza, a vitória legitima ainda mais o presidente. Ele espera que o governo use os próximos quatro anos para governar melhor e afastar as críticas de corrupção e de gestão ruim, cada vez mais freqüentes entre os próprios chavistas. “O povo gosta de ganhar, mas não quer mais que a vitória seja eleitoral só. A vitória tem que ser cotidiana e visível no nível de vida”.
Dados do referendo de ontem
Opção |
Votos | Porcentagem |
Sim | 6.003.594 | 54,36 |
Não | 5.040.082 | 45,63 |
Confira também os resultados por estados.
Dados de referendos anteriores
2007 – reforma constitucional que previa, entre outros pontos, o direito de o presidente se candidatar à reeleição quantas vezes quisesse.
Opção | Votos | Porcentagem |
Sim |
4.379.392 |
49,29 |
Não | 4.504.354 | 50,7 |
2004 – revogação do mandato do presidente Hugo Chávez
Opção | Votos | Porcentagem |
Sim | 3.989.008 | 40,63 |
Não | 5.800.629 | 59,09 |
Fonte: Conselho Nacional Eleitoral (CNE)
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