Visto de longe, o bairro 23 de Enero, no centro de Caracas, parece uma imensa favela, sem delimitações claras. Mas basta visitá-lo para entender que não é somente uma grande aglomeração de casas humildes.
Neste bairro popular, cujo nome é símbolo de revolução – 23 de janeiro é a data da queda de Marcos Pérez Jiménez, o último ditador venezuelano, que se manteve no poder entre 1948 e 1958 –, os moradores estão submetidos à dominação de grupos que se autodenominam como militares.
Responsáveis pela organização de trabalhos sociais e eventos culturais, eles reivindicam o estatuto de milícias dispostas a defender o governo de Hugo Chávez pela via das armas. Nem a polícia nem a Guarda Nacional estão autorizadas a entrar no bairro, onde moram cerca de 50 mil pessoas.
“A polícia matou muitos dirigentes sociais durante o passado. Foi expulsa”, conta Gustavo Borges, uma das figuras principais da comunidade. Ele mostra a antiga delegacia, hoje ocupada por um centro cultural.
Há 30 milícias no bairro. As mais famosas são a Coordenação Simon Bolívar, o grupo Carapaica, o Aléxis Vive e La Piedrita. Esta última, uma herança das lutas sociais dos anos 1980, constitui a base mais radical do chavismo.
Entretanto, ações extremas praticadas por membros de La Piedrita levaram o presidente a mudar de discurso em relação às milícias. O líder do coletivo social, Valentín Santana, reconheceu publicamente a responsabilidade pelo lançamento de bombas de gás lacrimogêneo contra a sede da Nunciatura Apostólica em Caracas e pelos ataques contra a residência de Marcel Granier, diretor do canal RCTV (Rádio Caracas Televisión), em janeiro.
Numa entrevista publicada pelo diário espanhol El Pais em 26 de janeiro, Valentín Santana declarou que considerava os meios de comunicação privados como alvos militares em potencial. “Se agarrarmos, por exemplo, Marcel Granier, vamos executá-lo sem vacilar”, afirmou. Os diretores do diário El Nacional e do canal Globovisión teriam o mesmo destino, assegurou.
Chávez: a CIA está envolvida
Estas declarações provocaram um escândalo durante a campanha eleitoral pela emenda constitucional que institui reeleição sem limite no país, que será submetida a referendo no próximo domingo (15). O presidente da Venezuela procurou distanciar-se do grupo “revolucionário”.
Ele afirmou estar convencido que La Piedrita “está sendo financiada pela extrema-direita” e que “o grupo tem infiltrados da CIA”, a agência de inteligência norte-americana. “É preciso neutralizá-lo. Não podemos tolerar jogos de guerra ou de terrorismo e, além disso, usando o nome da revolução”.
Apesar dos atritos com a Igreja, instituição que tem feito abertamente campanha junto à oposição, o presidente condenou os ataques contra a Embaixada do Vaticano, assim como a invasão a uma sinagoga, em 31 de janeiro. Cerca de 15 indivíduos roubaram e destruíram objetos de culto e pixaram nas paredes slogans anti-semitas. Hugo Chávez recebeu os líderes da comunidade judaica e prometeu que o ato criminoso seria investigado.
As declarações do chefe de Estado “causaram mal-estar em alguns movimentos sociais”, ressaltou o editorial do jornal comunitário El23.net . “Chávez está querendo ter uma imagem mais positiva fora do país e, por isso, renega relações com sua base mais radical”, analisa Gustavo Borges. Mas ele reconhece que a estratégia de “conflito permanente” é negativa em plena campanha. “Além disso, estes ataques nem têm uma agenda muito clara”.
Para o sociólogo Antonio José Gonzalez Plessmann, La Piedrita não tem peso nenhum na militância. “Estes grupos radicais sempre existiram no bairro 23 de Enero, sem mudar nada”. Ele considera que Chávez acertou com suas críticas: “Estes grupos são muito nocivos, dão razão aos opositores”.
A quatro dias do referendo, a polêmica ilustra o nível de tensão em Caracas. Os dois lados fazem ameaças de explosões de violência se perderem.
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