O presidente de El Salvador, Mauricio Funes, faz hoje (4/10) a primeira visita oficial de um chefe de estado salvadorenho a Cuba. A recepção ao evento no país centro-americano tem sido dividida: a esquerda celebra o ato de Funes, enquanto a direita – que se negou por 48 anos a restabelecer relações com Havana desde a chegada do governo revolucionário ao poder – cobre a iniciativa de críticas.
El Salvador rompeu relações diplomáticas com Cuba em 1961, após a ascensão do governo socialista do ex-presidente Fidel Castro, por considerá-lo contrário aos princípios democráticos do continente. Em junho de 2009, após a vitória de Funes, ex-guerrilho da esquerdista FMLN (Frente Farabundo Martí para a Libertação), as relações entre os países foi restabelecida. El Salvador foi o último país da América Latina a abrir uma embaixada em Havana.
Apesar dos atritos ideológicos dos políticos salvadorenhos, o primeiro secretário da embaixada de Cuba, Armando Briñis, disse ao Opera Mundi que os dois países entraram em uma nova etapa das relações. “A visita por si só é um fato histórico. Nunca um presidente de El Salvador havia ido a Cuba. Isso torna [a visita] um evento que evidentemente marca uma nova etapa na relação dos dois países”, afirmou Briñis.
Os pontos centrais das discussões de esquerda e direita em torno da visita de Funes à ilha caribenha têm origem na Guerra Fria: a guerra civil salvadorenha (1980-1992), quando cerca de 75 mil pessoas morreram em confrontos entre o governo de direita e guerrilhas de esquerda e as recentes confissões de que salvadorenhos colaboraram com grupos terroristas opositores do governo cubano movimentam as discussões.
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No conflito salvadorenho, o governo era declaradamente apoiado pelos Estados Unidos, enquanto a FMLN e o Partido Comunista Salvadorenho eram financiados pela ex-União Soviética. A divisão permanece na sociedade salvadorenha.
Já a história do salvadorenho Francisco Chávez Abarca, preso em Havana por cometer ataque terrorista a um hotel cubano em 1997 e participar de outros atentados para boicotar a economia da ilha e tentar enfraquecer o regime, alimenta a posição da esquerda. Abarca, detido em junho na Venezuela quando tentava entrar no país com documentos falsos, foi extradito para Cuba. Lá, contou que foi recrutado pelo terrorista cubano Luis Posada Carriles em El Salvador.
“Salvadorenhos que se vincularam ao terrorista Carriles e associados e a outro grupo de mafiosos, tiveram em El Salvador, na época do governo da Arena (Aliança Republicana Nacionalista), facilidades que lhes permitiu planejarem seus planos terroristas contra Cuba”, afirmou Briñis. Otto René Rodríguez e Raúl Cruz León são outros dois salvadorenhos que estão condenados à pena de morte em Cuba, acusados de realizar atentados terroristas na ilha.
Oposição
O partido Arena, abertamente anticomunista e que manteve o poder por 20 anos (1989-2009) em El Salvador, rechaçou o convite feito por Funes para acompanhá-lo em Cuba. Por sua parte, as associações empresariais privadas mais importantes do país também desistiram de viajar, mas afirmaram que alguns empresários viajaram de forma independente. “Há uma quantidade importante de empresários que, por conta própria, decidiu ir, independentemente da posição institucional assumida pelas associações”, disse Funes à imprensa.
O governo revelou que são 35 os empresários salvadorenhos interessados em negócios nos setores de turismo, aviação, medicamentos, construção civil e plásticos. Eles realizarão rodadas de negociações em Cuba. “A ANEP (Associação Nacional da Empresa Privada) está rechaçando o convite por um conceito totalmente ideológico, político, não tem nada a ver com o intercâmbio comercial”, disse Briñis.
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Estatísticas do BCR (Banco Central de Reserva) indicam que a modesta balança comercial entre Cuba e El Salvador se inclina a favor do país centro-americano, já que, ao longo do ano, exportou 1, 404 milhões de dólares, frente aos 95 mil dólares importados.
Debate acalorado
Após um intenso debate, o Congresso salvadorenho aprovou na quinta-feira (30/9), com 69 de 84 votos a favor, um Convênio Básico de Cooperação Técnica, Científica e Tecnológica entre Cuba e El Salvador.
O Arena, que se absteve da votação, acusou a FMLN de estreitar relações com “uma ditadura que viola direitos humanos, restringe as liberdades e que ajudou com armas, logística e refugiados políticos durante o conflito armado salvadorenho”.
“Me sinto triste ao ver como a FMLN celebrou o que acabaram de ratificar. Não é o mesmo que assinar um acordo com países democráticos e sim com uma ditadura”, disse a deputada da Arena, Margarita de Escobar. Ela disse também que “não há nada para copiar de um sistema econômico controlado pelo Estado. Eles [Cuba] não têm nada a nos ensinar sobre modernização”.
O deputado do PDC (Partido Democrata Cristão) Rodolfo Parker afirmou que sua bancada aprovou o convênio, apesar de não gostar de “regimes autoritários” e que seria necessário “exigir a libertação dos presos políticos cubanos”.
A FMLN, por sua vez, acusou os adversário de manterem uma posição defasada que, segundo o partido, fez com que El Salvador se isolasse de outros países nos últimos 20 anos. “El Salvador está saindo da pré-história da diplomacia. Estamos nos modernizando”, disse o deputado da FMLN, Schafik Handal, ao se referir à abertura de relações com Cuba, Vietnã e outros países.
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