O site Wikileaks revelou uma série de despachos que relatam como os EUA pressionaram o vizinho Canadá a aprovar uma série de medidas legais para endurecer o controle sobre a propriedade intelectual. Os documentos tratam de conversas entre a embaixada norte-americana em Ottawa com o Departamento de Estado norte-americano, e inclui até cartas trocadas entre o então embaixador dos EUA no Canadá David Wilkins (que por lá ficou entre 2005 a 2009) com o primeiro-ministro canadense, o conservador Stephen Harper.
Nas mensagens, entre 2005 a 2010, os EUA pressionavam insistentemente o governo canadense a reformar suas leis a respeito do setor, o que acabou não ocorrendo da maneira e abrangência que eles pretendiam. Por essa razão, o Canadá figura até hoje em uma lista negra formulada pelo governo norte-americano. Anteriormente, o Wikileaks já havia vazado informações de ações similares dos Estados Unidos na Espanha para pressioná-la a endurecer o controle dos direitos autorais.
O documento mais antigo, de abril de 2005 (leia a íntegra do despacho), comenta os primeiros passos legislativos tomados pelo Canadá para iniciar sua reforma nas leis de copyright. Entretanto, lamenta que, na essência, as sugestões formuladas não tenham longo alcance e se preocupem mais em notificar do que punir os “infratores”. Após realizar encontros com membros da indústria fonográfica e cinematográfica canadenses, a embaixada conclui que o fato de o texto legislativo da proposta inicial ainda não estar disponível ao público não dava a real noção do alcance da lei, e que “nos pequenos detalhes do projeto é que poderiam residir os pontos críticos”.
Desculpas
No segundo documento vazado, de abril de 2007, o embaixador Wilkins informa que o premiê canadense lhe enviou uma carta em tom confidencial na qual respondia a uma mensagem dele no fim de janeiro daquele ano. Nela, Harper garantia apoio às iniciativas de proteção propostas pelos EUA e afirmava que seu governo tomaria as devidas providências, incluindo as reformas na legislação, insistentemente solicitadas pelo vizinho. Entretanto, em seu comentário, Wilkins considerou que o premiê tentava apenas justificar sua inatividade, e criticou tanto ele quanto o governo canadense por não realizarem as mudanças. As duas cartas foram reproduzidas na íntegra.
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Em outro relatório, de fevereiro de 2008, a embaixada em Ottawa relatou estar frustrada “com as constantes falhas do governo canadense em introduzir reformas profundas em sua lei de copyrights que iriam ratificar os tratados de internet da WIPO (Organização Mundial da Propriedade Intelectual, sigla em inglês)”. Segundo a embaixada, apesar da celeridade e das providências prometidas pelo premiê canadense, reiteradas em agosto de 2007, os atrasos e pedidos de emendas não tornaram a aprovação possível.
Por outro lado, o embaixador elogiou a cooperação e outras ações canadenses para proteger o setor, incluindo ações de repressão contra a pirataria, além da aprovação de uma lei que proibia o ato de gravar filmes dentro dos cinemas canadenses, o que já havia sido objeto de conversa com as autoridades locais no ano anterior. A indústria farmacêutica, segundo a nota, se dizia satisfeita com as medidas tomadas pelo país vizinho para proteger patentes.
Entretanto, caso a reforma não fosse mesmo aprovada, o documento indicava que Canadá entraria para a “lista negra”, que é um relatório conhecido oficialmente como Informe Especial 301. Trata-se de um levantamento preparado anualmente pelos EUA que classifica os países pelas barreiras a empresas e produtos norte-americanos em relação a leis de propriedade intelectual, como copyrights, patentes e marcas registradas.
O embaixador advertiu, porém que, caso isso ocorresse, a aprovação das reformas se tornaria politicamente ainda mais complicada, pois essa “classificação” dada pelos EUA seria muito mal recebida pela opinião pública local.
O então ministro da Indústria canadense, Jim Prentice, teria dito ao embaixador Wilkins que deputados conservadores temiam danos eleitorais com o endurecimento da lei. O relatório mostra também que o dispositivo, apesar de impopular, teria apoio das três principais forças políticas locais: os conservadores, os liberais e o bloco canadense. A embaixada diz ter informações que o restante do G-7, especialmente a França, também estaria pressionando o governo canadense pela aprovação, mas com ações de “perfumaria”, nada comparado aos esforços norte-americanos.
Ao fim, o Canadá acabou mesmo por entrar na lista negra, chamada oficialmente de “lista prioritária de observação”, na companhia de países como Rússia, China, Índia. Venezuela, Argentina e Chile são os representantes sul-americanos colocados no mesmo nível. Essas nações classificadas como “seriamente deficitárias na proteção da propriedade intelectual”. O Brasil se encontra em um nível abaixo, chamado apenas de “lista de observação”.
Em um quarto relatório, de setembro de 2009, dessa vez originado do próprio Departamento de Estado norte-americano e assinado por Hillary Clinton, solicita que os compromissos “assumidos pelos canadenses (em relação à proteção do direito autoral) se transformem em resultados”.
Esses resultados se referiam novamente o pedido para reformar o setor de leis autorais. Dessa vez, o relatório chegou ao ponto de enumerar as medidas desejadas, a maior parte em relação à proteção de bens digitais. Caso fossem cumpridas, os EUA prometiam revisar a classificação canadense na “lista negra”. “Se houver necessidade de se incluir alguma exceção nas TPMs (Medidas de Proteção Tecnológicas, na sigla em inglês), elas deverão ser claramente enumeradas e restritas em seu âmbito”, ressaltava o despacho assinado por Hillary.
Percebe-se, pelo conteúdo dos documentos, que, embora não seja explicitado, o endurecimento na legislação de direitos autorais não conta com apoio da população ou de parte significativa da opinião pública. Citam apenas como principal nome da oposição o ativista Michael Geist, professor de Direito da Universidade de Ottawa. Entretanto, garantem que ele não teria qualquer influência política para alterar interromper a marcha das reformas – que nunca ocorreram.
Antecedente
Anteriormente, o jornal espanhol El País publicou documentos datados de 2004 a 2010 indicando que os EUA articularam politicamente na Espanha para que o país aprovasse uma lei de combate ao compartilhamento de arquivos. Ela seria dura de maneira semelhante à polêmica Lei Hadopi, da França – a qual muitos de seus pontos-chave foram barrados pela corte constitucional local.
Entre as estratégias utilizadas pelos EUA estavam encontros com empresários, ministros da Cultura e da Indústria, Os norte-americanos também incluíram por certo período os espanhóis na “lista negra” do Departamento de Estado. O embaixador também lamentava que, no país europeu, “estava muito difundida a ideia de que compartilhar arquivos entre iguais era um procedimento legal”.
A pressão dos EUA parece ter surtido efeito, já que o governo espanhol aprovou, dentro da Lei de Economia Sustentável, em janeiro de 2010, medidas que aumentam consideravelmente as restrições na internet. Entre as principais mudanças, ficou determinado que sites espanhóis que hospedem conteúdo sem autorização dos autores sejam denunciados e advertidos por uma comissão – o que causou reação de ativistas digitais.
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