Mídia NINJA/ContaDagua.org
Marcha pela Água na última quinta-feira (26/02) reuniu MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e outros movimentos sociais, que caminharam do Largo do Batata ao Palácio do Governo
Boletim da falta d’água em SP, 24/02 a 02/03/15*:
– Nossa Crise Hídrica mezzo Ruth mezzo Raquel segue a todo vapor. Explico. A maior parte das declarações do governo dá a entender que não há crise alguma acontecendo – ou, se ela existe, mal se pode notá-la. É a “Crise Hídrica versão Ruth” que o governo apresenta à população quando diz que não há nem haverá rodízio (http://goo.gl/u3Cunyhttp://goo.gl/oOu4Onhttp://goo.gl/xVP4TRhttp://goo.gl/DaLA8I).
– Mas há também o outro lado da crise: declarações governamentais que não deixam dúvida de que a crise existe e é grave – tão grave, que vale tudo para solucioná-la. A “Crise Hídrica versão Raquel” é invocada para justificar a contratação de empresas sem licitação para a realização de obras emergenciais (http://goo.gl/205E3uhttp://goo.gl/77FJaC), que leva à contaminação da água (http://goo.gl/jK5BQnhttp://goo.gl/GfwBFz). Em todos esses casos, a crise é bem real: nas palavras do presidente da Sabesp, temos uma “situação de total não-normalidade” (http://goo.gl/xVP4TRhttp://goo.gl/77FJaChttp://goo.gl/aUia0g).
– Em suma: para o discurso oficial, não há crise, exceto nos casos em que o governo precisa de uma justificativa para fazer o que bem quiser (obras, aumento de tarifa) sem prestar contas à sociedade. Não há crise, exceto quando a crise interessa ao governo; neste caso, ela não apenas existe como é bastante grave.
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– A Região Metropolitana de São Paulo completou um ano de racionamento (http://goo.gl/ctrF03) (e a imprensa demorou mais ou menos o mesmo tempo para dizer com todas as letras que o racionamento existe e que o governo empenha-se em negá-lo). O presidente da Sabesp, porém, afirma que o rodízio é um “evento de baixa probabilidade” (http://goo.gl/KbW5Sf). Nada de novo no front: o governo do estado e a Sabesp manterão na surdina o racionamento que já existe, sem explicitar seus critérios. Alguns exemplos: em Cidade Tiradentes, os moradores têm ficado de 2 a 6 dias sem água (http://goo.gl/5uWVJJhttp://goo.gl/G6c1tRhttp://goo.gl/GklfRnhttp://goo.gl/JzWU6J).
– Palavras do presidente da Sociedade de Nefrologia do Estado de São Paulo (Sonesp): “Uns trinta dias atrás pedimos uma audiência com o presidente da Sabesp para formular uma estratégia de contingência”, afirma Barata, que diz ter enviado uma relação de todas as unidades de diálise do Estado. “Mas até o momento não recebemos resposta alguma deles, nem fomos informados sobre a existência de um plano emergencial para atender a nossa demanda. Assim como os hospitais, as unidades de diálise não podem ter cortes de água” (http://goo.gl/G6c1tR).
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– Paulo Massato, diretor da Sabesp, disse: “Temos que recuperar todo o volume morto da primeira cota, temos que chegar a 28%, 29% para chegar no volume útil. Até lá, estamos trabalhando numa situação de contingência, de grave crise hídrica” (http://goo.gl/WEsXC1). Um pequeno esclarecimento: os “28%, 29%” de que fala Massato correspondem à recuperação de todo o volume morto; até lá, estamos no negativo. O índice real do Cantareira na data de hoje, 02/03/15, é -17,58%, como se vê por aqui: http://goo.gl/7CU76N
– Mas o que é “situação de contingência, de grave crise hídrica”? A Lei das Águas diz que, em situação de escassez de água, a prioridade deve ser dada ao abastecimento humano (http://goo.gl/oTjJUf). O próprio presidente da Sabesp disse que esse é o tipo de coisa fácil de falar e difícil de fazer (http://goo.gl/xVP4TR). Mexer com os privilégios de grandes empresas e seus contratos de demanda firme (http://goo.gl/M5M4uy) certamente não é simples; nem por isso deixa de ser necessário. O diretor Paulo Massato, porém, defende a vigência dos contratos, alegando que eles garantem o modelo de negócios da Sabesp – sem perceber que o que está em questão aqui é, justamente, a própria justiça e viabilidade do “modelo de negócios” da empresa (http://goo.gl/GfwBFz).
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– A subida no nível dos reservatórios operados pela Sabesp deve-se tanto às chuvas de fevereiro (que, no Cantareira, chegaram a 161% da média histórica – http://goo.gl/7Dnmpq) quanto à redução das captações do Cantareira. No ano de 2013, a média de captação no Cantareira foi de 32.600 L/s; em janeiro de 2015, 17.800 L/s (http://goo.gl/ctrF03). A Sabesp passou a captar menos água (que surpresa) depois das eleições (http://goo.gl/YW8nog). O problema, é claro, não está na redução das captações, muito pelo contrário: o problema é justamente 1) isso ter demorado tanto a acontecer, levando-nos à situação atual (em 2014, a Sabesp ignorou as baixas vazões e continuou tirando água do Cantareira como se nada estivesse acontecendo – http://goo.gl/C9bmEu
– A redução é inevitável, já que a água está no fim. A questão, aqui, é o *como*. Vamos reduzir o abastecimento de água para quem? Quais serão os critérios? O presidente da Sabesp afirma, acertadamente, que não se pode reivindicar “o direito de tomar banho de meia hora” em situação de escassez (http://goo.gl/xVP4TR). De fato: dada a atual escassez, as prioridades de uso precisam ser revistas. Mas, se banhos de meia hora não são aceitáveis, tampouco é aceitável que os grandes consumidores da Sabesp mantenham seus vantajosos contratos. Quer dizer:
– Com que moral o governo do estado e a Sabesp pedem economia de água para a população enquanto mantêm os contratos de demanda firme com 500 empresas?
Ou, o que é ainda mais grave:
– Com que direito o governo do estado e a Sabesp mantêm os contratos de demanda firme com 500 empresas quando não garantem o abastecimento de clínicas de hemodiálise?
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Algumas outras notícias do racionamento não-oficial:
– A Sabesp admitiu que o rodízio, com a despressurização da rede, pode contaminar a água e provocar disenteria na população (http://goo.gl/t4043K). Não apenas a Sabesp já corta manualmente o fornecimento de água em 40% da rede como tem mantido a pressão abaixo do nível recomendado (http://goo.gl/l2wl6O). Em bom português, portanto, as chances de sofrermos de caganeira já são muito maiores hoje. Nada que já não estivesse previsto desde dezembro do ano passado (http://bit.ly/1JX3cmR).
– O preço da garrafa de 1,5L de água mineral aumentou 20,7% entre janeiro de 2014 e fevereiro de 2015. A inflação entre janeiro de 2014 e janeiro de 2015 foi de 7,7% (http://goo.gl/LSwxbk).
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Mas vamos a algumas medidas que o governo de São Paulo vem adotando em relação à crise:
– Em primeiro lugar, não falar no assunto abertamente com a população (http://goo.gl/DaLA8I).
– Em segundo lugar, orientar os correligionários a defender o governo (http://goo.gl/x4bBXx).
– Em terceiro lugar, minimizar os problemas: a redução de pressão só afeta quem não tem caixa d’água, segundo Alckmin. Aí o governo, acertadamente, se compromete a distribuir as caixas (http://goo.gl/H3tzvb) – só que entrega apenas 2,8% do que foi prometido (http://goo.gl/HVT2wF) e, quando entrega, frequentemente a população não tem como instalar (http://glo.bo/1N5NqYp).
– Aliás, em dezembro do ano passado, a Sabesp se comprometeu também a entregar economizadores de água para torneira a toda a população da RMSP, em janeiro e fevereiro de 2015 (http://goo.gl/QyCOcA). Para quantos terá entregue?
– Para finalizar esta parte: a maioria dos medidores da Sabesp são suscetíveis ao registro de ar (http://goo.gl/SU2D4c), o que tem levado a cobranças equivocadas – e a sagas burocráticas para solucioná-las (http://goo.gl/GURbNQ).
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– Em meio a tudo isso, uma boa notícia: o governo do estado firmou uma parceria com a ONG TNC Brasil para recuperar áreas de mananciais. Pelo que se depreende destas duas notícias (http://goo.gl/hXC4K7) (http://goo.gl/QnzR4c), trata-se da recuperação de Áreas de Preservação Permanente, que não deveriam ter sido desmatadas. Isso é bom, mas ainda é pouco. Esta matéria da Folha (http://goo.gl/alBwPH) não está considerando o convênio, que (pelo que entendi) recupera as APPs; mas a questão é que, para além das APPs, seria necessário recuperar áreas ainda maiores.
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– Em 24/02, rolou a excelente aula pública da Aliança pela Água no vão livre do MASP (http://goo.gl/851qEW). De tudo que vi e ouvi, vou destacar muito rapidamente alguns pontos que foram ditos na mesa sobre movimentos sociais e repressão policial:
– Pedro Scavicini, do Movimento Itu Vai Parar, falou sobre as manifestações que aconteceram em Itu no ano passado. Pedro contou que, em um determinado protesto, um manifestante mais exaltado chutou uma lixeira e foi preso. Dias depois, apareceu com o rosto deformado – ele fora torturado na prisão. Em meio ao horror do relato, não pude deixar de fazer um cálculo rápido. Ao derrubar a lixeira, o rapaz deve ter sujado cerca de 1 ou 2 metros quadrados de chão. Enquanto isso, a empresa privada responsável pelo abastecimento de Itu deixou de limpar o fundo dos sete reservatórios de água que servem a cidade, diminuindo sua capacidade de armazenamento em 30% (http://goo.gl/vkXFI2). Quantos milhares de metros quadrados do chão dos reservatórios será que a empresa deixou de limpar?
– O professor Pablo Ortellado, por sua vez, enfatizou que movimentos sociais pelo transporte e pela habitação, por exemplo, já existem há anos; os movimentos de luta pela água, porém, são recentes (http://goo.gl/mQr6yZ), já que só agora estão se fazendo necessários. O desafio, segundo ele, é que a população consiga se organizar politicamente e canalizar sua revolta em demandas de curto prazo, claras e exequíveis.
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– Dois dias depois da aula da Aliança, o MTST tomou a frente da Marcha pela Água e, meus amigos, deu um show (atenção para o sensacional Pancadão do Não-Falta-Água feat. ele mesmo, o governador): http://goo.gl/HnKi52
– Dez mil pessoas caminharam do Largo da Batata ao Palácio do Governo (http://t.co/rjh0IUn9qh) (http://t.co/PJvBDHzaPo). Uma comissão do MTST foi recebida pelo chefe da Casa Civil, Edson Aparecido, e conseguiu que o governo se comprometesse a 1) incluir o MTST e outros movimentos sociais no Comitê de Crise; 2) identificar locais com falta d’água crônica; 3) distribuir/construir caixas d’água, cisternas e poços na periferia; 4) reavaliar os contratos de demanda firme.
– Para o jornal O Estado de SP, porém, ao marchar pela água o MTST é culpado por “diversificar suas atividades” (http://naofo.de/33rs) – afinal, como ousam essas pessoas reivindicarem moradia e, ainda por cima, o luxo supremo do acesso à água?! Para o jornal, protestar até pode; mas, se o seu protesto é bem-sucedido a ponto de você ser recebido pelo governo para fazer suas reivindicações… Bem, aí já é vandalismo.
– O título do editorial é especialmente revelador: “O MTST ataca de novo”. Para o jornal, quem ataca o estado e a cidade de São Paulo não é um governo que deixa a população sem água, e sim dez mil pessoas (em sua maioria pobres) reivindicando seus direitos pelas ruas de bairros nobres da capital.
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– Por fim, é significativo que a primeira canção sobre a falta d’água em São Paulo – tirando as paródias e marchinhas de Carnaval – seja da autoria de um norte-americano, da banda Arcade Fire (http://t.co/7Esl6idk4G). Will Butler compôs “You Must Be Kidding” a partir desta excelente reportagem do Guardian: (http://goo.gl/JzWU6J).
– Nas artes plásticas, um grupo de grafiteiros mandou bem demais: eles foram à represa Atibainha e fizeram um grafitte-medidor! (http://goo.gl/6Hzt6t)
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AGENDA
– Ciclo universitário de debates: A crise da água no estado de SP (http://goo.gl/8sbNJZ)
E esse foi o boletim de 24/02 a 02/03/15. Pode entrar em pânico que segunda que vem tem mais.
*Este e todos os boletins passados estão disponíveis no boletimdafaltadagua.tumblr.com