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Mina de ouro de Yanacocha, em Cajamarca, Peru
A indústria da mineração de ouro desenvolveu um toque de Midas, transformando depósitos de baixo teor em riqueza. Mas há consequências: mais de 900 camponeses intoxicados por um vazamento de mercúrio nas montanhas do Peru; o povo nativo Akyim, de Gana, forçado a deixar suas terras; uma baía e uma comunidade de pesca na Indonésia contaminadas por arsênico e mercúrio; e a nação indígena Shoshone Ocidental, no estado de Nevada, nos Estados Unidos, destituída de suas terras ancestrais.
Estas são algumas das acusações contra uma das rainhas do império global do ouro, a Newmont Mining Corporation. A empresa, no entanto, se apresenta como uma produtora de ouro ética, possui certificação ISO (Organização Nacional para a Padronização, na sigla em inglês) para a gestão ambiental e se manteve no Índice de Sustentabilidade Dow Jones por sete anos consecutivos. A Newmont também integra organizações e convenções como o Pacto Global das Nações Unidas, os Princípios Voluntários sobre Segurança e Direitos Humanos, e a Iniciativa de Parceria Contra a Corrupção.
A participação nestes acordos e iniciativas é voluntária, e os relatórios geralmente são feitos por empresas ou auditores pagos pelas próprias empresas. Mesmo quando existem auditorias de terceiros, as companhias acusadas de violações de direitos humanos continuam a se insinuar na lista.
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Não é justo, porém, apontar apenas para a Newmont. Muitas outras grandes empresas de mineração de ouro foram acusadas de contaminação e violação de direitos humanos, e elas aderiram com alegria a um paradoxo chamado “responsabilidade empresarial”.
Robert Moran, um cientista que trabalha há mais de 40 anos em questões de água na indústria da mineração, diz que a maioria das minas de ouro funciona como “feudos privados”. Funcionários do governo precisam de permissão para visitar esses locais, e os dados técnicos e as informações são fornecidas pelas empresas, incluindo os tipos de produtos químicos utilizados e a composição dos resíduos. “Com relação a recursos hídricos, eu nunca vi uma mina sustentável a longo prazo”, diz Moran.
O público tem se informado, e a crescente oposição a novas minas em todo o mundo causa arrepios no setor da mineração. Há dois anos, o projeto Minas Conga, da Newmont, que iria afetar vários lagos nas montanhas peruanas, foi paralisado devido à oposição dos moradores da área. A Newmont segue tentando convencer seus investidores de que a mina será estabelecida, apesar das centenas de camponeses acampados na região dos lagos, determinados a manter as máquinas da empresa longe dali.
O conflito foi notícia no mundo dos negócios. No entanto, empresas de investimento ético, como a Christian Brothers, com sede nos EUA, continuam a oferecer ações da Newmont em seus portfólios. Os chamados investidores éticos defendem sua relação com a indústria do ouro argumentando que eles “questionam” as empresas, escrevendo cartas duras e encaminhando resoluções dos acionistas. Mas que eficácia podem ter se eles não conseguem que as empresas modifiquem o modo de operar no terreno?
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Há dez anos, uma coalizão de entidades sem fins lucrativos liderada pela Earthworks e pela Oxfam lançou a campanha “No Dirty Gold” [“Não ao Ouro Sujo”, em tradução livre]. Mais de 100 joalherias, incluindo 8 dos 10 maiores varejistas dos EUA, assinaram o compromisso “Regras de Ouro”, prometendo não comprar ouro de empresas vinculadas a violações de direitos humanos e danos ambientais. A indústria de joias criou então a certificação RJC [Conselho de Joalheria Responsável, na sigla em inglês] para direcionar os consumidores e as empresas de joias ao ouro “limpo”. O RJC tem mais de 450 empresas associadas, de minas de ouro a refinarias e joalherias.
No entanto, em relatório lançado em meados do ano passado, grupos ambientais e trabalhistas alegaram que as normas do RJC não são consistentes, principalmente em relação ao meio ambiente e aos direitos dos trabalhadores, e carecem de transparência.
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Uma das lagoas que seria afetada pela nova atividade mineradora em Cajamarca
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A lista de associados do RJC pode ser lida como um “Quem é Quem” de empresas acusadas de violações de direitos humanos. Uma delas é a Rio Tinto, cuja reputação manchada levou grupos ambientalistas e de direitos humanos a se manifestarem contra seu contrato para fornecer as medalhas olímpicas entregues em Londres em 2012. Outro membro é a refinaria de ouro Argor-Heraeus, que está sob investigação na Suíça pela compra de ouro de um grupo armado ilegal na República Democrática do Congo. Dois outros membros do RJC, a MKS Finance e sua subsidiária PAMP, ambas empresas suíças de processamento de ouro, foram acusados de compra ilegal do minério da Amazônia peruana.
Grandes sistemas de certificação como o RJC muitas vezes têm dificuldade de rastrear o trajeto do ouro desde a mina até o consumidor. Os selos de certificação menores tiveram mais sucesso, caso dos certificados Fairtrade [Comércio Justo], como o Comércio Justo de Ouro e a Mineração Justa do Ouro, da ARM (Aliança para a Mineração Responsável). Cada certificadora trabalha diretamente com as comunidades da América Latina e da África que produzem ouro artesanalmente, garantindo o rastreamento do minério.
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De acordo com a Fairtrade International, cerca de 100 milhões de pessoas em todo o mundo trabalham com mineração artesanal e de pequena escala. Embora garimpeiros produzam apenas cerca de 10% do ouro global a cada ano, eles representam cerca de 90% da força de trabalho no garimpo, fornecendo importante apoio financeiro para suas famílias. “Os mineiros estão lutando contra a pobreza”, diz Manuel Reinoso, vice-presidente da ARM. “Não é como uma grande mineradora que explora os trabalhadores, leva 90% dos lucros para fora do país e não deixa nada para trás.”
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Camponeses peruanos chegam à região dos lagos de Cajamarca para protestar contra o estabelecimento de novas minas
O peruano Reinoso sabe em primeira mão das dificuldades que enfrentam os garimpeiros, pois exercitou seus braços e ganhou sua boa forma em uma vida de trabalho nas minas. Ele admite que ainda há questões ambientais não resolvidas com a certificação – nem todo o ouro com o selo da ARM e do Comércio Justo está livre de mercúrio e cianeto. Reinoso diz que a organização está trabalhando para eliminar progressivamente os produtos químicos, mas isso leva tempo e demanda dinheiro.
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A ARM tem projetos-piloto na África usando métodos livres de produtos químicos para a extração de ouro. E a Fairtrade criou o selo “Ouro Ecológico”, para o ouro produzido sem substâncias químicas. Entretanto, mesmo sem mercúrio ou cianeto, a mineração tem seu impacto no meio ambiente, especialmente em áreas sensíveis como florestas e mananciais. Isso significa que programas como o Comércio Justo e Mineração Justa têm de permanecer pequenos, pois se crescerem demais, deixam de ser sustentáveis. E muitos ambientalistas, como o uruguaio Eduardo Gudynas, que pediu uma moratória na extração de ouro na América Latina, argumentam que nenhuma mineração pode ser considerada “sustentável”.
Apenas 9% do ouro produzido globalmente são utilizados na fabricação de eletrônicos e equipamentos médicos. O restante é utilizado em joias e no setor financeiro. De acordo com o Conselho Mundial do Ouro, a reciclagem já é responsável por um terço do total da oferta de ouro e está em ascensão, ou seja, a tecnologia e as necessidades médicas podem ser satisfeitas sem qualquer novo garimpo. Isso exigiria uma revisão do nosso sistema econômico – desafiando os deuses do consumismo excessivo – e encontrar novos empregos para os garimpeiros.
Não muito tempo atrás pessoas “respeitáveis” compravam marfim e ostentavam casacos de pele de foca. Seriam os investimentos em ouro e as alianças de casamento os próximos símbolos de guerra, ganância e destruição do meio ambiente?
Tradução: Maria Teresa de Souza
Matéria original publicada no site da New Internationalist, revista britânica que se dedica a temas de direitos humanos.