Solly Boussidan/Opera Mundi
Vista panorâmica de Díli, com a praia da Areia Branca, o Cabo Fatucama e a estátua do Cristo Rei, em segundo plano
Fora do radar turístico global, Timor Leste é uma excelente opção para os viajantes que não se importam em sacrificar o conforto pela oportunidade de conhecer uma nação em construção. As paisagens são de tirar o fôlego e a cultura é singular, misturando traços da colonização portuguesa e um profundo catolicismo a ritos animistas, vida tribal e hábitos ainda predominantemente extrativistas.
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Apesar da infraestrutura local ainda apresentar algumas deficiências, como na área das comunicações, os progressos dos últimos anos têm sido louváveis. Afinal, a nação colonizada por Portugal reconquistou sua independência somente em 2002, após 24 anos de guerra civil e uma brutal ocupação e anexação indonésia que deixou mais de 200 mil mortos e um rastro de destruição ainda visível na ilha.
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Barcos de pescadores na Baía de Díli, com a praia da Areia Branca e o Cristo Rei, no alto do Cabo Fatucama, em segundo plano
Desconfiada e recatada, a população local se desfaz em largos e vistosos sorrisos ao primeiro sinal de cordialidade do estrangeiro, chamado de “malai”. A palavra tem origem na principal língua local, o tétum, que incorpora muito do português, do indonésio e, com cada vez mais frequência, do inglês.
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O português é falado pela classe alta do país e pelos mais velhos, que estudaram a língua antes da invasão indonésia. Os mais jovens compreendem muitas palavras mas têm dificuldades com a língua, promovida nas escolas e universidades.
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Vendedores de peixe no Largo de Lecidere, em frente à Baía de Díli
Rapidamente, o “malai” se converte em convidado de honra de um povo resiliente, que sobreviveu às atrocidades de uma degradante ocupação. É comum o turista ser convidado para refeições e estadias, onde famílias locais lhe oferecerão um “tais” – xale tradicional confeccionado artesanalmente –, além da melhor comida que puderem comprar e o melhor cômodo da casa. E isso ocorre tanto no interior do país, como na capital, Díli, principal porta de entrada para a maioria dos visitantes.
Díli é uma excelente primeira parada para se entender Timor – comparado ao resto do país, é onde há melhores hotéis e artigos de primeira necessidade, o que ajuda a entrar no ritmo local sem grandes choques culturais.
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A fachada moderna do Museu da Resistência, em Díli. Inaugurado em 2012, ele foca nos anos de ocupação indonésia
Conforme o avião vai baixando rumo ao aeroporto Presidente Nicolau Lobato, na região oeste da capital, uma cadeia de montanhas é seguida por uma série de praias com areias brancas e águas azuis cristalinas através das quais, mesmo do céu, é possível avistar inúmeros recifes de corais. Em seguida, a beleza natural dá lugar a um semiárido repleto de pequenas casas, barracos, casas de pau-a-pique e contêineres funcionais de um histórico bairro e antigo campo de refugiados da ONU, Tasitolu.
Neste local, os indonésios fuzilaram mais de 50 pessoas logo após o referendo de 1999, no qual os timorenses votaram por restabelecer a independência. Tasitolu também foi palco de sucessivos assassinatos em massa na guerra civil, na invasão da Indonésia em 1975 e durante a ocupação. Valas comuns com mais de 100 corpos já foram encontradas no local nos últimos anos e parecem corroborar a crença popular timorense – o nome do bairro quer dizer “três águas” e deriva dos três lagos salinos situados no bairro, os quais esporadicamente se tornam vermelhos, possivelmente pela proliferação de uma espécie de alga, mas que os timorenses alegam ser um sinal etéreo de todas as vítimas de Tasitolu.
Para além das atrocidades, o bairro foi também palco do sermão do papa João Paulo II, em 1989. No local há uma casa típica e um marco na esplanada, além de uma estátua erguida em homenagem póstuma ao sumo-pontífice. Lá fica também o Parque da Paz, local onde foi declarada a independência em 2002.
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Os lagos salinos de Tasitolu, além de fotogênicos, são parte de um pequeno pântano que abriga inúmeras espécies endêmicas de pássaros. Mais ao norte está a praia de Tasitolu, com dois pontos de mergulho e snorkel – a própria praia com um enorme banco de areia repleto de corais duros e a “Díli Rock”, com pedras parcialmente submersas recobertas por corais e anêmonas. A visibilidade pode chegar a 25 metros, praticamente não há correnteza forte (com exceção da porção oeste de Díli Rock) e é possível avistar tubarões, moreias, polvos e tartarugas, tornando o local uma excelente opção para mergulhadores de todos os níveis de habilidade.
A praia de Tasitolu é também um excelente lugar para se assistir ao pôr do sol, já que há pouca poluição química ou luminosa. Quase não há nuvens ou chuvas entre fevereiro e outubro. O entardecer tinge o céu de Díli de púrpura, rosa, laranja, turquesa, verde e vermelho. Outra atração natural são as águas do Tasi Fetu, o mar feminino, como os timorenses chamam as águas calmas da costa norte de seu país, que também formam a Baía de Díli (o mar arredio e bravo da costa sul do país, em contrapartida, é chamado de Tasi Mane, o mar masculino). Quando a noite cai, o céu limpo de Timor é perfeito para astrônomos amadores, com inúmeras constelações e Vênus visíveis a olho nu.
Observar o céu à noite acaba sendo uma das melhores opções de Díli, já que a vida noturna é escassa e, com raras exceções, voltadas a expatriados e timorenses afluentes. Boas opções incluem o bar australiano Castaway que, além de drinques serve uma excelente pizza de pesto (13 dólares pela pizza grande), o bar do Hotel Díli Beach, logo ao lado do Castaway, possui mesas de sinuca e serve jantar também. Mais a leste, o restaurante do Hotel Novo Horizonte, serve excelentes pratos à base de bacalhau e tem música ao vivo – muitas vezes brasileira – às sextas-feiras à noite. Os bares na cidade tendem a fechar cedo: por volta das 21h durante a semana e à meia-noite às sextas-feiras e sábados.
O centro da cidade concentra o maior número de atrações turísticas propriamente ditas. A Catedral da Imaculada Conceição, inaugurada em 1988, com fachada bege e estilo pós-moderno é uma das maiores igrejas do sudeste asiático, com espaço para até 2 mil fiéis. A cerca de 800 metros da catedral está o Museu da Resistência, parada obrigatória para quem quer entender os anos de ocupação. O museu foi inaugurado em 2012 e possui um bom acervo fotográfico e audiovisual que reconta a história dos 24 anos de domínio indonésio.
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Fonte e monumento aos 500 anos de colonização portuguesa de Timor Leste, em frente ao Palácio do Governo
Caminhando um quarteirão rumo à praia, chega-se ao Palácio do Governo, amplamente acessível, o prédio concentra a maior parte dos Ministérios, do legislativo e escritórios reservados ao primeiro-ministro. Imediatamente ao lado está a Casa Europa, que abriga a missão diplomática da União Europeia. O local sedia exposições e mostras culturais e ocupa o antigo prédio da armada portuguesa, construído em 1627.
Atravessando a rua rumo a praia, há uma bela vista de toda a Baía de Díli, com o farol a oeste e as montanhas a leste. Lá também está o moderno Relógio Lotte, com o desenho de um crocodilo – a ilha de Timor também é conhecida como a ilha do crocodilo por seu formato no mapa.
Segundo a tradição oral do país, os timorenses acreditam que descendem do antigo espírito de um crocodilo sagrado. Em anos recentes, um número crescente de crocodilos de água salgada, provavelmente com origem no norte da Austrália, tem chegado à costa timorense. Apesar de perigosos, os animais são vistos como bom presságio pelos habitantes da ilha e pelos “matan doques”, espécie de xamãs locais, que guiam os timorenses nos ritos animistas tradicionais. O sincretismo religioso é uma constante na ilha – não raro, aos domingos, os fiéis saem das missas e vão consultar os xamãs com o intuito de curar doenças ou conseguir trabalho.
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Relógio Lotte, que representa a ilha de Timor. Ao fundo, grandes figueiras abrigam grupos de macacos
Ao lado do relógio, enormes figueiras abrigam uma grande população de macacos que não perdem a chance de ver se os pedestres possuem algum alimento. Em frente às árvores, dois antigos canhões portugueses apontam para a ilha de Ataúro, boa opção para quem curte ecoturismo.
Caminhando pela praia, a leste, chega-se ao Largo de Lecidere. Nos fins de tarde, pescadores carregam nas costas pequenos troncos com peixes frescos pendurados à venda. Entre as ofertas encontram-se peixes-agulha, atum, peixes-papagaio, além de caranguejos pescados nas praias de Díli. Bem próxima está a antiga residência do Bispo Carlos Belos, ganhador do prêmio Nobel da Paz durante a ocupação indonésia.
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Vista panorâmica da praia de Maubara, a oeste de Díli
Um pouco mais adiante, ainda na rua da praia, dois pequenos campos de futebol improvisado se unem a barracas de frutas e hortaliças. Ainda seguindo pela orla por cerca de 3 km, chega-se ao extremo leste da cidade – um dos pontos mais belos de Díli. Aqui, a praia da Areia Branca se estende majestosa e convidativa ao longo da porção ocidental do montanhoso Cabo Fatucama – o entorno do cabo é ideal, novamente, para mergulho e snorkel.
Do alto do Fatucama, a Estátua de Cristo Rei, com braços abertos, em uma imagem que remete ao Rio de Janeiro, observa serenamente a capital. A vista de lá e da Areia Branca é panorâmica.
Arredores de Díli
Há boas opções de passeios próximos de Díli.
A ilha de Ataúro possui praias quase desertas e é outra opção excelente para mergulhos e snorkel. Há três pousadas na ilha – nenhuma delas com água quente ou banheiros em estilo ocidental (em vez de vaso sanitário, há louça sanitária embutida diretamente no chão, sem descarga). A energia elétrica é fornecida durante parte da noite por geradores.
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Sol “beija” o mar no entardecer de Maubara, a oeste de Díli
A cerca de 50 km a oeste de Díli, a vila de Liquiçá possui belos manguezais com garças e um lago, que os timorenses creem ser amaldiçoado devido às centenas de corpos de timorenses lançados aí por militares indonésios durante a ocupação.
Seguindo-se outros 90 km rumo a oeste, chega-se à cidadezinha de Maubara, onde é possível visitar um antigo Forte Português, reformado e transformado em restaurante e fazer compras numa pequena feira de artesanato local, que vale a viagem. A praia local, em frente ao forte, é linda, excelente para o banho e praticamente deserta o ano todo.