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A “Primavera Árabe” foi uma ilusão?
NÃO
O mundo árabe está numa fase de desapontamento que, universalmente, segue tentativas de transformação revolucionária. Emancipar uma sociedade é uma tarefa prolongada. As dificuldades são ainda mais inevitáveis no Oriente Médio: região complicadíssima, rasgada por tensões, praticamente sem experiência liberal e democrática, cobiçada por forças externas por causa de sua posição estratégica, suas riquezas minerais e seus lugares sagrados. Mas, “complicado” não equivale a “insolúvel”. Não faltam os paralelos históricos. Eles podem nos ensinar algo.
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No Oriente Médio, longo inverno ainda não terminou
Em 1815, após a derrota de Napoleão Bonaparte em Waterloo por uma coalizão de monarquistas e conservadoras, soaram em toda a Europa vozes clamando que a Revolução Francesa, com sua promessa de liberdade, igualdade e fraternidade, nunca passara de uma ilusão. Porém a promessa se recusou a morrer. Uma geração passou e em 1848 uma nova onda de insurreições liberais sacudiu todo o continente. Os contemporâneos chamaram-na de “Primavera dos Povos”.
WikiCommons
Promessa de emancipação não é ilusão: podemos ver que muitas sociedades já realizaram grandes progressos
Hoje, a democracia e o respeito aos direitos humanos vigoram em quase toda a Europa. Sem dúvida subsistem graves problemas. Apesar de crises e insatisfações, contudo, as populações elegem livremente seus governos. Há liberdade de expressão, de escolher a profissão e o/a companheiro. Não há mais inquisição, tortura, campos de concentração. Há liberdade de religião. Absolutismo e feudalismo são memórias.
O impulso da liberdade gerou prosperidade, nos bons tempos. E para os anos magros os impulsos da igualdade e da solidariedade criaram educação universal, saúde pública e redes de segurança. Em nenhum país o princípio da autodeterminação se consolidou sem os dolorosos processos de preparo e de aprendizagem que chamamos de “primavera” e revolução, e que os reacionários sempre rotularam de instabilidade, ilegitimidade e “ilusão”.
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O mesmo processo está em andamento no mundo árabe. Uma onda de revoltas ameaçou líderes absolutistas em todos os países do mundo árabe, derrubando alguns. Mas, até hoje, não produziu nenhuma democracia estável. No Egito, um presidente eleito foi desalojado por um golpe militar que restabeleceu o autoritarismo. A Tunísia vacila entre secularização e islamismo. A Líbia está se rasgando entre milícias regionais. Na Síria uma revolta pacifica desaguou numa guerra civil que opõe seitas hostis e está desestabilizando o Iraque e o Líbano. Na Arábia Saudita, Barein, Marrocos, Jordânia, Argélia… Reis, presidentes e sultões sobrevivem graças à repressão, mais somada ao suborno pago por petróleo ou subvenções estrangeiras.
Autogoverno, liberdades individuais e oportunidades para todos colocaram um modelo atraente que se expandiu no mundo inteiro. Mas a transição é dificílima e, muitas vezes, violenta. E a modernidade não traz o paraíso na terra.
Carlos Latuff
Autogoverno, liberdades individuais e oportunidades para todos colocaram modelo atraente que se expandiu no mundo inteiro
Após Europa Oriental e América Latina, a primavera chegou agora ao coração do mundo islâmico. No entanto, chegou num momento tardio, quando também suas desvantagens já são inegáveis. Isto explica a atração da alternativa islamista: pretende combinar as certezas do passado com as promessas da modernidade, mas dificilmente combina com os direitos liberais.
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No Oriente Médio, longo inverno ainda não terminou
É cedo para desesperar. A promessa da emancipação não é uma ilusão: podemos ver que muitas sociedades já realizaram grandes progressos. No Oriente Médio, a transição da primavera para o verão enfrenta obstáculos com raízes profundas, porém concretas. “Eles” (“os” árabes, “os” muçulmanos…) não são menos capazes de se libertar do que qualquer outra nação ou religião. Merecem nossa solidariedade.
(*) Peter Demant é historiador e professor no Departamento de História e do Instituto de Relações Internacionais da USP
*Os artigos publicados em Duelos de Opinião não representam o posicionamento de Opera Mundi e são de responsabilidade de seus autores.