Chegamos aos 50 anos daquele 25 de abril de 1974. O dia em que os portugueses fizeram história ao derrotar a ditadura salazarista e o fascismo. Naquela virada revolucionária que ficaria eternizada como a Revolução dos Cravos.
Tive a oportunidade de caminhar pela Avenida Liberdade, em Lisboa, no último dia 25, em meio a milhares e milhares de pessoas que afluíram para a marcha que bateu todos os recordes de público dos aniversários anteriores da data.
Faça chuva ou sol, a cada 25 de abril, há portugueses marchando com cravos à mão entre o monumento do Marquês de Pombal e a praça do Rossio. É uma festa cujo significado está cada vez mais disputado. E foi isso que vi pelas ruas de Lisboa na véspera, na data e nas horas que seguiram ao grande ato popular.
Alguns dos debates e alertas mais intensos que presenciei foram os que seguem:
O 25 de abril de 1974 foi uma revolução e não uma transição
Houve vencedores e perdedores no 25 de abril de 1974, isso é certo, mas há uma tentativa de embaçar a nitidez desta imagem. Tenta-se imprimir à compreensão social sobre o 25 de abril uma noção de que se tratou de uma transição pacífica e não de uma revolução propriamente dita, com a realização de um golpe militar executado por jovens capitães. Por óbvio, quem tenta esvaziar abril de seu sentido revolucionário são os setores ligados aos perdedores de então. Incapazes de negar a importância da data para a população portuguesa, partidos como o Iniciativa Liberal e o Chega, que cresceram nas últimas eleições, são os que abertamente fazem essa disputa de significado.
O 25 de novembro de 1975 foi um golpe contra abril
Nunca em um 25 de abril se ouviu tanto sobre o 25 de novembro de 1975 como neste de 2024. Ouvi de muitas pessoas com quem conversei e pude verificar, lendo a cobertura da imprensa. E isso faz parte da tentativa de esvaziar de sentido o 25 de abril. Naquele novembro de 1975, um ano e meio após a revolução de 1974, militares moderados realizaram um golpe contra abril e muitos avanços foram interrompidos. Segundo Álvaro Cunhal, secretário geral do Partido Comunista Português à época, e um dos protagonistas do processo revolucionário, o 25 de novembro “criou condições para o avanço e a aceleração dos planos contrarevolucionários”. Natural, portanto, que hoje, 50 anos mais tarde, puxem a consigna: “25 de novembro sempre! Comunismo nunca mais!” em contraponto à popular consigna: “25 de abril sempre! Fascismo nunca mais!”.
Há democracia em Portugal porque houve revolução, e não “apesar da revolução”
Outro discurso que permeia o debate público português, levado pela extrema-direita, é de que a Revolução de Abril precisou ser freada para que Portugal tivesse uma democracia. Quando é justamente o contrário. Foi preciso uma revolução para que houvesse o fim da ditadura salazarista e o início da redemocratização. São 50 anos de democracia porque houve abril, e não “apesar” de abril. Ficou bastante conhecido um lapso cometido por André Ventura, líder do partido Chega, quando, em 2024, em um comício em Évora, disse que era preciso “salvar Portugal da democracia” – segundo ele, quis dizer salvar Portugal do socialismo, em alusão não só ao PS, mas a toda a construção histórica que veio na esteira de abril.
Estes e outros movimentos de tentativa de alteração da percepção sobre o significado do 25 de abril estão muito presentes no atual debate público da sociedade portuguesa. E preocupa, sobretudo, o espaço que o discurso protofascista da extrema-direita vem ganhando, a ponto de ter alcançado eleger quase 50 parlamentares para a Assembleia da República. No próximo artigo desta coluna vou trazer mais dos elementos discursivos e narrativos que vêm sendo utilizados por eles e quais são as estratégias que os defensores da democracia estão utilizando para o combate destas ideias.
(*) Ana Prestes é cientista política, historiadora, Escritora e analista internacional. Participa dos programas RodaMundo e Outubro na grade do Opera Mundi no YouTube.