Nas décadas de 1980 e 1990, o Brasil enfrentava um sério desafio com sua dívida externa: contraiu uma grande quantidade de dívida, especialmente em dólares, com taxas de juros variáveis. Quando os juros nos Estados Unidos subiram bruscamente na década de 1980, a dívida externa brasileira se tornou insustentável, pois ficou extremamente cara. Como essa dívida estava em moeda estrangeira, o governo brasileiro tinha duas opções para quitá-la: através das exportações ou de empréstimos e financiamentos do exterior. No entanto, como o Brasil não conseguia saldar sua dívida externa apenas com o saldo comercial (diferença entre exportações e importações), teve que aceitar as condições ditadas pelos países centrais e suas instituições representativas, como o FMI, para obter empréstimos. Essa submissão se refletiu na imposição de políticas neoliberais, altamente prejudiciais à economia e à sociedade brasileiras. A dívida externa tornou o país altamente dependente das exigências dos credores estrangeiros, limitando sua capacidade de implementar políticas econômicas e sociais estratégicas.
Por outro lado, a dívida interna apresenta diferenças significativas. A principal é que ela é denominada na moeda nacional, o Real. Além disso, o Estado brasileiro, com as devidas restrições inerentes a um país periférico, determina a taxa de juros da dívida interna que contrata. Os títulos emitidos pelo tesouro funcionam como uma espécie de “moeda” que gera juros, incentivando os credores a trocarem moeda em espécie por esses títulos. Isso facilita a capacidade do Estado em contrair e renovar dívidas na moeda que emite. Essas diferenças destacam a maior autonomia, soberania e menor vulnerabilidade associadas à dívida interna em comparação com a externa.
Ao analisar brevemente algumas distinções entre dívida externa e interna, é possível descrever o papel e a importância da dívida interna no desenvolvimento econômico e social de um país. Um aspecto fundamental para compreender a dívida pública é entender os fatores que influenciam sua evolução ao longo do tempo. Basicamente, quando o governo gasta mais do que arrecada em impostos, há emissão de moeda para cobrir essa diferença. Para controlar a liquidez e a inflação, parte dessa nova moeda é trocada por títulos públicos, que geram juros. Assim, torna-se evidente que um dos determinantes do crescimento da dívida pública é o déficit fiscal do governo, que pode ter sido direcionado para programas sociais e investimentos públicos.
Além do mais, na literatura sobre política fiscal em macroeconomia (pelo menos desde o final da década de 30, com base em Keynes e Kalecki), sabe-se que o tamanho desejável do déficit público consolidado de um país não tem nada a ver com um raciocínio de “economia doméstica”. Se a economia está com capacidade ociosa e desemprego, é evidente não ser apenas possível, mas recomendável, que se gaste mais do que se arrecada. Assim, a dívida pública em moeda nacional é um importante instrumento para o desenvolvimento econômico, social e para alcançar o pleno emprego. Por meio dela, o Estado financia suas políticas fiscal e monetária, provendo serviços essenciais à população e buscando estabilidade de preços. Portanto, o cerne do debate sobre o endividamento público não deveria ser sobre sua utilização, mas sim sobre como essa dívida é contraída.
Logo, o principal problema da dívida brasileira não é sua magnitude ou sua existência, mas sim o custo determinado pelas altas taxas de juros e pelo curto prazo de vencimento. A relação dívida/PIB do Brasil é de aproximadamente 74,3% e a taxa de juros de 10,75% ao ano, enquanto países como Japão e Estados Unidos possuem dívidas em relação ao PIB de 266% e 120%, respectivamente, com taxas de juros próximas a zero no primeiro e de 5,25% a 5,5% no segundo. Até países menos desenvolvidos têm taxas de juros consideravelmente mais baixas que as do Brasil. Isso faz com que a dívida brasileira seja excessivamente onerosa e sirva como um mecanismo de transferência de renda da sociedade para os detentores dos títulos da dívida. Além das altas taxas de juros, outro problema é o curto prazo de vencimento da dívida brasileira, que é em média de 4,11 anos, com cerca de 20,1% da dívida vencendo em menos de 12 meses. Essa combinação de juros elevados e prazos curtos torna a dívida um grande fardo para a sociedade como um todo.
E o que aconteceria se a dívida brasileira aumentasse para 90 % do PIB, por exemplo? Será que o país quebraria? Dificilmente, pois, ao contrário do orçamento de uma dona de casa, o governo nacional não tem, a princípio, como quebrar, pois emite a dívida pública interna denominada em sua própria moeda, também por ele emitida; portanto, o seu risco de inadimplência é zero. Justamente por isso que o governo fixa, unilateralmente, a taxa de juros básica da economia. Isso significa que o governo, objetivamente, não fica em uma situação de “não ter dinheiro” para pagar sua dívida interna.
Um Estado comprometido com o desenvolvimento socioeconômico deve utilizar a dívida pública, contraída na moeda nacional, para mitigar as desigualdades geradas pelo capitalismo. A questão não é se a dívida pública deve existir, mas sim a quem ela beneficia. Uma dívida cara e de curto prazo, como a nossa, beneficia os rentistas, enquanto uma dívida longa e barata poderia beneficiar os trabalhadores. Portanto, o foco deve estar na gestão adequada da dívida, não em sua criminalização. Por fim, algumas formas de resolver esse problema incluem a redução estrutural das taxas de juros, através de um amplo debate sobre a política monetária; a taxação do capital de forma progressiva para equalizar a transferência financeira; e o prolongamento dos prazos da dívida.
(*) Bianca Valoski é doutoranda no Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas da UFPR, dentro da linha de pesquisa em Economia Política do Estado Nacional e da Governança Global. É servidora da Câmara Municipal de São José dos Pinhais, onde trabalha com finanças públicas.