“Pensar que não iria morrer foi um alívio, a suspeita de ebola era forte”, disse a Opera Mundi o brasileiro Yarssan Dambrós Salomão, de 29 anos.
Suspeito de ter contraído ebola em viagem de três meses à África, o carioca estava prestes a retornar ao Brasil quando teve que ficar internado e isolado em uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) na Espanha. Com febre alta por vários dias, além de manchas e dores no corpo, o jovem Yarssan viveu momentos de tensão até saber que havia contraído malária, e não ebola.
Arquivo Pessoal
Yarssan em Dakhla, cidade na região do Saara Ocidental (sob controle do Marrocos)
“Ebola seria morte certa. Eu queria me salvar, foi um alívio não ter tido. Os sintomas apareceram rápido, foi tudo muito rápido”, admitiu Yarssan em conversa por telefone da Espanha, onde ainda seguia em recuperação no momento da entrevista. Ele recebeu alta após cinco dias na UTI e mais de uma semana internado.
Na conversa com Opera Mundi, o produtor de vídeo contou sobre sua viagem à África, quando começou a sentir mal estar, e como foi seu retorno à Espanha depois de ter passado por Mali, Mauritânia e Marrocos.
Destaque nos jornais da Espanha
Yarssan virou notícia internacional e foi alvo de preocupação das autoridades sanitárias espanholas, que acionaram o protocolo de emergência contra o ebola. É difícil para ele relembrar com detalhes alguns fatos, pois admite que estava muito indisposto e com febre alta.
Não foram poucas as manchetes de jornais e sites espanhóis que noticiavam um jovem brasileiro com suspeita da doença que desembarcara de ônibus no terminal rodoviário Méndez Álvaro, em Madri, na madrugada de 18 de setembro.
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“Medo do ebola desatou em Madri com alarme falso”, publicou o Europapress. “Um viajante brasileiro foi hospitalizado ante o temor de que pudesse ter ebola”. Já o site Terra, em espanhol, anunciava que “o serviço de Emergência Samur atendeu a um homem que apresentava mal estar e febre e havia viajado no último mês à África, de acordo com o protocolo preventivo para possíveis casos de ebola”.
O jornal El Mundo ainda publicou que o procedimento de atuação frente a suspeitas da doença transmitida pelo vírus ebola determina o isolamento do paciente durante o transporte e a hospitalização, assim como a sua transferência a uma unidade de doenças infecciosas de alta segurança.
Expedição pela África
A viagem pelo norte e o oeste da África teve início no dia 17 de julho, quando deixou o Rio de Janeiro. O sonho de Yarssan era chegar à Nigéria para conhecer a indústria de cinema no país, mas ele também tinha um projeto pessoal de registrar pelo caminho imagens de grupos de artistas e músicos locais. “Tinha vontade de conhecer a África, queria chegar à Nigéria, mas não sabia se conseguiria por causa do cinturão de ebola nessa região”.
Da Espanha, resolveu descer por terra de ônibus até Tanger, atravessou o Estreito de Gibraltar para o Marrocos, viajou de trem para Marrakesh, de carona, e assim chegou à capital da Mauritânia, Nouakchott, de onde passou por outra cidade chamada Nouadhibou, e seguiu para Segou, no Mali.
“Foi uma aventura, eu não falava árabe nem francês. Fui até a região do rio Senegal e depois ao Mali, lá onde eu provavelmente peguei malária, pois é uma região endêmica”, disse. Yarssan lembra que inicialmente não pensava em ir ao Mali pelo receio do ebola e do conflito que existe no norte do país com grupos radicais islâmicos. “Mas quando estava na Mauritânia, perto da fronteira, as pessoas que conheci me garantiram que não tinha ebola e que poderia viajar. Fui atrás de um grande escultor do Mali.”
Arquivo pessoal
Yarssan no Marrocos; a princípio, ele não pensava em ir ao Mali, mas foi convencido após ouvir que 'não havia ebola' na região
No início, quando planejava a viagem, pensou em fazer o trajeto até a Nigéria pela costa de Guiné Bissau por falar português. Contudo, teve que desistir pelo cinturão de isolamento dos países atingidos, especialmente Serra Leoa e Libéria. “Em vez de fazer um grande trajeto de 10 mil quilômetros, optei por ficar em lugares menores e aprender a língua local”. Só no Mali, levou cerca de cinco dias para chegar a Segou, às margens do rio Niger, cerca de 200 km a oeste da capital Bamako.
Dores e febre
A parte difícil da viagem começou mesmo no caminho de volta, quando Yarssan venceu longas distâncias até chegar a Casablanca, no Marrocos, a fim de tentar cruzar para a Espanha e chegar a tempo do dia 18 de setembro em Madri, data prevista de embarque para o Brasil. Ele conta que começou a sentir-se mal assim que chegara a Casablanca, quando uma febre alta o acometeu.
“Era como se um raio tivesse caído na minha cabeça. Era uma dor terrível na cabeça e nos olhos. Aquele dia foi uma das últimas refeições que fiz um cuscuz marroquino, depois não consegui comer mais. No dia seguinte saíram algumas coisas na pele, um inchaço, manchas vermelhas e de sangue. Fui buscar na internet e todos os sintomas batiam com o ebola. Foi uma situação de medo grande. Conversei com a minha namorada no Brasil e falei sobre essa possibilidade. Meu único pensamento é que talvez na Europa tivesse mais chances de sobreviver. No Mali, lembro que a televisão mostrava um letreiro dizendo que o ‘risco de ebola é real’ e isso passava na minha cabeça naquele momento”, relembrou.
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O brasileiro também admite ter sentido medo por não conseguir falar com outras pessoas sobre os sintomas. “É uma coisa difícil falar para os outros, não dava para eu chegar para alguém e falar que achava estar com ebola. Bateu um pavor quando pensava nessa possibilidade.”
Yarssan comentou no Facebook sobre a suspeita de ebola
Sem seguro de saúde, o caminho não foi fácil até a Espanha, pois ainda perdeu o voo que o levaria de Casablanca após ficar preso na alfândega e, por deslize, os seus últimos 100 dólares ficaram na mala que havia sido despachada. “Acho que suava muito, não estava com a melhor cara do mundo. Desesperado e muito doente, fui para a rodoviária e consegui que me dessem uma passagem para Tanger, eram oito horas de viagem e eu estava ardendo em febre”. De lá e sem nenhum dólar, Yarssan conta que conseguiu pegar um barco para atravessar o Estreito de Gibraltar e depois um ônibus de Algeciras, uma cidade portuária do sul de Espanha na província de Cádiz, rumo à rodoviária de Madri.
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“Eu estava sem comer absolutamente nada. Nesse ponto já não lembro bem das coisas. Não gosto nem de pensar nessa parte, acho uma história meio triste. Consegui chegar a Madri à noite cambaleando e dois policiais me abordaram. Eles achavam que eu tinha droga, mas eu estava com 40 graus de febre havia muitos dias. Tentava explicar, mas mal conseguia falar e desmaiei. Depois tudo ficou confuso mentalmente. Quando acordei estava na Fundação Jiménez Díaz. Já tinha passado mais de um dia, mas não lembro”.
Depois de algumas horas inconsciente na UTI e do protocolo de segurança sanitária de Madri ter sido acionado, Yarssan foi diagnosticado com malária. Ele cultiva ainda algumas lembranças da noite em que chegou à rodoviária. “Suava muito e estava bambo. Acho que buscaram minha identificação. Nesse tempo que eu estava desacordado, foi acionado o protocolo de segurança. Na medida em que chegou a ambulância, devem ter visto meus sintomas e olhado meu passaporte. Eu vinha da África e, por isso, se suspeitou de ebola”.
Yarssan regressou ao Brasil e está em processo de recuperação – já que, devido à malária, perdeu 8 kg. “Estou bem, tentando ganhar peso e voltando a me exercitar. Mas só de estar em casa, já revigora bastante”, disse.