Um pequeno país no sudeste europeu tenta representar a metáfora da Fênix e ressurgir: Após ficar em ruínas, por conta de uma guerra entre 1992 e 1995, a Bósnia-Herzegovina busca se reerguer em tempos de paz. Para isso, usa o turismo como uma das peças-chave para o renascimento.
As cicatrizes ainda estão por todos os cantos – casas destruídas, construções cujos muros parecem de chapisco dado a quantidade de buracos de balas – e contribuem de forma surreal a compreender o episódio. O passado assusta, mas também colabora: os períodos turco-otomano, austro-húngaro e comunista fazem parte da história e dão traços a um lugar multicultural, colorido por muçulmanos, croatas e sérvios.
O hype em cima da vizinha Croácia alimenta passeios pela Bósnia, que, de tão compacta (território equivalente a um quinto da área do estado de São Paulo) pode ser cruzada de ponta a ponta em poucas horas e não se resume apenas à capital, Sarajevo.
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Sarajevo
Jerusalém do Oriente. O apelido de Sarajevo não é em vão: a capital concentra toda a miscelânea étnica, cultural, histórica e religiosa que é a Bósnia. O resumo desse caldeirão está distribuído nos arredores do centro antigo da cidade. As catedrais do Sagrado Coração (católica) e Nossa Senhora (ortodoxa) estão a poucos metros de distância do Novi hram, o antigo templo judeu, e da mesquita Gazi Husrev Begova, construída em 1530, um dos mais importantes centros islâmicos de toda a região dos Bálcãs.
Gustavo Silva/Opera Mundi
Latinska Cuprija, ponte onde Franscico Ferdinando foi assassinado
Não longe dali, está a Latinska Cuprija, a ponte onde o arquiduque Francisco Ferdinando foi assassinado – o evento foi o estopim para o início da Primeira Guerra Mundial. A Segunda Guerra também é lembrada nas Chamas Eternas, em monumento erguido no final da Ferhadija, a avenida onde estão as lojas, restaurantes e cafés mais moderninhos. Para compras e comes e bebes, o charme mesmo está nas vias de pedra da Baščaršija, parte do centro antigo onde estão os bazares de artesanato (o forte são as peças à base de cobre e latão) e lugares que servem comidinhas tradicionais, como o cevapi (lingüiçinhas de carne de cordeiro servidas com cebola picada no pão pita) e o burek (massa folheada recheada com batatas, espinafre ou queijo). Para acompanhar, uma dose de Rakija (a cachaça dos Bálcãs, à base de figo). Nos restaurantes onde não são servidas bebidas alcoólicas, a pedida é o iogurte desnatado, bem típico. Para fechar, um café à moda bósnia, bem similar à maneira turca de servir a bebida.
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Panorama de Sarajevo ao entardecer
Durante o inverno, a área central da cidade perde em popularidade para os centros de Ski nas montanhas que circundam a capital – Jahorina, Bjelasnica e Igman. Sarajevo foi, em 1984, sede das Olimpíadas de Inverno, o que dá um ótimo status às pistas da região.
Mostar
Localizada na Herzegovina, região histórica cujos ventos mediterrâneos do Mar Adriático influenciam no clima e vegetação, Mostar é a cidade de maior capacidade turística do país – para o bem e para o mal. Por um lado, a oferta de serviços e a qualidade é maior até mesmo do que em Sarajevo. Por outro, paga-se mais para tudo. O cartão postal da cidade é a Stari Most, legado de beleza impar do período turco-otomano. A ponte foi destruída em 1993, reconstruída, e reinaugurada em 2004. Hoje, faz parte da lista da Unesco de patrimônio histórico da humanidade, junto com outros monumentos da cidade, como o Hamam (Banho Turco), a ponte Kriva Cuprija e o centro histórico (Stara Carsija) de Mostar – todos datados de meados do século XVI.
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A Stari Most (ponte antiga) de Mostar
As águas geladas do rio Neretva também são uma atração à parte, no contraste de seu azul esverdeado com a paisagem árida ao redor. Os mais corajosos (e locais em busca de uns trocados) enfrentam os quase 10 metros de altura da Stari Most e dão mergulhos. A paisagem, aliada ao calor (que ultrapassa facilmente os 35°C em dias de verão), é convidativa para um prato leve – as porções de peixe e a saladas do Babilon, às margens do Neretva, são fartas. Os melhores sorvetes são servidos no deck-bar (também às margens do rio) do Hotel Bristol, destruído na guerra e hoje o mais luxuoso.
Banja Luka
Como parte dos acordos que deram fim à guerra, a Bósnia foi dividida em duas entidades políticas, a Federação da Bósnia Herzegóvina e a República Sérvia. Banja Luka é a moderna capital administrativa dos sérvios no país. Avenidas largas e grandes praças, além dos prédios públicos como o Parlamento (onde pequenos postes de luz em frente ao local tocam música durante o verão) dão o tom da cidade, em meio a placas escritas no alfabeto cirílico, um dos indicativos da predominância sérvia região.
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Gustavo Silva/Opera Mundi
Catedral Ortodoxa em Banja Luka
Graças à universidade local, a vida noturna é ativa e para públicos diversos. Para os mais calmos, vários cafés espalhados pela cidade – o do Hotel Bosna é impecável. Quem quer dançar vai ao clube Underground, onde o turbo folk, gênero eletrônico popular nos Bálcãs, domina a pista. Fora do ambiente urbano, os atrativos estão ligados às águas verde-esmeralda do rio Vrbas, de forma indireta (com o milenar castelo Tvrdava, erguido pelos romanos e hoje um parque, às margens) ou direta, como na prática do rafting.
Um detalhe: por conta do esporte, brasileiros são muito bem vistos em Banja Luka – as corredeiras locais sediaram a final do campeonato mundial em 2009.
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Medjugorje
“Durante todo o período da guerra, Medjugorje foi atingida apenas duas vezes, e a explosão dos morteiros não deixou feridos”, afirma um vendedor de mapas local. A explicação para tal tem lógica – organismos internacionais mantinham bases no local – mas há a tentação de justificar a salvação de Medjugorje por vias divinas. De acordo com os fiéis, nos anos 1980, seis jovens locais passaram a ter visões da Virgem Maria.
Gustavo Silva/Opera Mundi
Morro em Medjugorje, onde jovens afirmam ter visto a Virgem Maria; local virou ponto turístico
A história, mesmo não reconhecida pelo Vaticano, transformou Medjugorje em um dos maiores pontos de peregrinação católica do mundo – estima-se em 15 milhões o número de visitantes de lá para cá. O Morro das Aparições é rota obrigatória para os visitantes – vá de tênis e roupas confortáveis, pois o lugar só é acessível a pé, em meio a um caminho de pedras. Siga os conselhos se quiser ir à Cruz da Montanha, erguida em 1900 em outro morro e também ponto de reunião de fiéis.
A Igreja de São James, onde são rezadas missas diariamente – em croata – marca o centro da cidade, onde está grande parte dos hotéis, lojinhas e restaurantes. Imperdível parar para degustar os vinhos locais – a região da Herzegóvina é tradicional na produção da bebida. Dê uma passada no Hercegovina Produkt (Gospodarska Zona b.b. 88260, +387/ 36/ 650-980, www.hercegovinaprodukt.com), restaurante em estilo taverna que fica antes da entrada da cidade, no vilarejo de Citluk, e peça pelo cordeiro assado, também típico da região.
Srebrenica
Ir a Srebrenica é como conhecer a Polônia e visitar Auschwitz: uma experiência longe de ser prazerosa, mas, certamente, enriquecedora. A comparação entre os lugares não é por acaso. A pequena cidade ao leste da Bósnia foi palco do maior massacre da Europa desde o Holocausto, quando, em 1995, tropas sérvias executaram mais de oito mil bósnio-muçulmanos. Parte das vítimas está enterrada no Memorial do Genocídio em frente à antiga fábrica de baterias usada como base das forças da ONU na cidade – hoje o local abriga um museu com fotos e histórias do acontecimento.
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Memorial do Genocídio, em Srebrenica
Srebrenica ainda não conta com infraestrutura para acolher visitantes, embora explorar o potencial turístico das florestas e fontes termais ao redor faça parte dos planos de reconstrução local. Por ora, o legado de Srebrenica, e os campos gramados de seu memorial, são suficientes para ver o mundo com outros olhos e compreendê-lo de forma mais completa.