Diante da ausência de mobilização nos atos das centrais sindicais, circulam pelos portais jornalísticos e nas redes sociais opiniões sobre o tamanho do ato. O próprio presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, apontou que a manifestação foi mal convocada.
A mudança de localização também foi um argumento do jornalista Leonardo Sakamoto. “Historicamente, o 1º de maio das centrais sindicais é realizado em regiões mais centrais como o Vale do Anhangabaú ou a região do Campo de Marte” que têm fácil acesso.
Há também aquelas opiniões de ombudsman de esquerda, de lideranças que não mobilizam, não têm respostas, exemplos que possam contribuir além do diagnóstico ou da fala da estratégia que não é testada, não influi na realidade do conjunto dos trabalhadores brasileiros e acabam sendo verborragia ou bravatas.
Já os tradicionais inimigos de classe balançam a bandeira do fim dos sindicatos e falta de representatividade como oportunidade de rebaixar um instrumento e meio relevante para a disputa dos rumos da civilização.
Em meio a este cenário, há várias possibilidades de interpretação do que está acontecendo e é essa conversa que proponho aqui em pontos:
1) A desmobilização não é somente no Brasil
Há um problema de mobilização em vários países. O mundo do trabalho muda em alta velocidade. As forças produtivas estão em constante desenvolvimento e isso altera as relações entre a classe que vive do trabalho, sua articulação e o nível de solidariedade entre eles. A divisão sociotécnica e territorial, as ocupações, as atribuições, têm se transformado e o movimento sindical reflete pouco essas mudanças.
Uma evidência disto é que o movimento sindical se organiza de acordo com a verticalização fordista, mesmo após mais de 50 anos de desenvolvimento do toyotismo com seu pacote completo de técnicas (trabalho por projeto, sob demanda, a exigência da polivalência, desespecialização, etc.). Estas técnicas são base para o neotoyotismo, toyotismo aplicado para o trabalho de plataforma que evolui as técnicas japonesas para extrair mais valor, com menos força de trabalho.
2) A normalização da falta de direitos, desigualdade e fome
O neoliberalismo e a ideia de capital humano, sujeito de si, empreendedor de si mesmo (como bem aponta Foucault e reinterpretam Dardot e Laval) ampliam radicalmente as desigualdades e, após a crise do capital de 2008, dispõem do arsenal das plataformas de redes sociais para aumentar o individualismo, consumismo e as ideias da ultra direita, que passam a ter um caráter ainda mais popular do que em outros momentos históricos. O neoliberalismo tem esgarçado as instituições, rebaixado o papel da democracia e “sequestrado” a subjetividade das pessoas para defender as políticas de austeridade e a “normalidade” de um mundo tão desigual, onde milhões passam fome.
3) A classe que vive do trabalho está mais plural, diversa e com vínculos diferenciados
As mudanças indicadas no ponto 1 e o impacto na subjetividade citado ponto 2 influem em mudanças significativas no processo de venda da força de trabalho. Em um cenário marcado pela precariedade e informalidade, com milhões de microempreendedores e microempresas, o campo progressista e o movimento sindical pouco dialogam com esse público, e não há indícios de esforços para alterar este quadro.
Neste cenário, a classe trabalhadora se vira, faz bicos diferentes (os populares freelas), combina a sua atividade que lhe rende salário fixo com outros tipos de trabalhos, organiza associações, cooperativas, unem MEI´s para prestar serviços. Tendo jornadas com mais de 8 horas, a organização do tempo não é mais demarcada entre tempo de trabalho e tempo livre, o que dificulta a participação deste trabalhador e/ou trabalhadora em atividades como as sindicais e militância política.
4) Deslocamento da categoria trabalho
O campo progressista brasileiro deixou de utilizar a categoria central “trabalho” de sua estratégia e tática. Este fato também não diz respeito só ao Brasil, mas como temos que olhar para o nosso quintal, é necessário constatar que os partidos políticos, entidades, organizações e movimentos sociais pouco discutem o mundo do trabalho, realizam ações, propõem saídas para questões que envolvem o trabalho relegando tamanho aspecto tático às centrais sindicais. É preciso retomar a discussão de como organizar e atuar entre a classe que vive do trabalho neste atual cenário, que há muito tempo não é majoritariamente fordista. Compreender melhor o que mudou, como se relacionam e as novas possibilidades de organização da classe trabalhadora.
5) O sindicalismo brasileiro precisa olhar para si e querer mudar
Toda a vez que me perguntam sobre o movimento sindical, saio à moda sertaneja brasileira de que “está ruim, mas tá bom”. Longe de corroborar com a bandeira da ineficiência e fim dos sindicatos, o sindicalismo brasileiro precisa ter a sabedoria histórica de olhar com fraternidade para si, sem chicotes e personificação dos problemas, para compreender o que é possível mudar para melhorar a sua interlocução, representatividade e credibilidade.
O movimento sindical vive a crise da pirâmide invertida, com uma camada grande de dirigentes e poucos sindicalistas na base, o que faz com que a sua organicidade e capacidade de direção seja limitada.
6) A incompreensão do papel da comunicação
Enquanto assistimos ao que Margareth Thatcher disse, sobre o neoliberalismo “querer a alma das pessoas”, a esquerda brasileira demonstra conhecer pouco sobre comunicação. A comunicação contribui para a disputa de sentidos, posições e conscientização e tem muito das mudanças das forças produtivas que mencionamos no ponto 1. E as organizações de esquerda contam com um aspecto positivo que é o seu histórico e conhecimento na formação de redes sociais com o conjunto de sindicatos filiados, associações, diretórios, etc. São redes que já são de alguma forma configuradas, mas que precisam se adaptar para atuar também nas redes sociais como apoio para conscientizar os trabalhadores por seus direitos e a situação do Brasil.
7) A necessária retomada do trabalho de base
A prática metodológica do trabalho de base precisa ser atualizada para este tempo que vivemos. Não dá para ficar preso ao modelo de décadas passadas, tão passado que não eram usadas as tecnologias de informação e comunicação. Precisamos voltar a fazer um trabalho de base de acordo com as circunstâncias que vivemos hoje. Além disso, é preciso conferir prestígio a quem faz iniciativas de trabalho de base para valorizar e inspirar que mais militantes atuem.
As campanhas eleitorais que atuam com a lógica do capital diminuem o papel do trabalho de base. Uma amostra disto é que as pessoas que atuam nas bases, fazem panfletagens, são as que menos recebem entre os serviços prestados. Temos que inverter esta dinâmica e estimular, promover, valorizar, credibilizar reconhecer as lideranças e as ações na base que visam conscientizar setores da sociedade.
(*) Adalgisa Nery é formada em letras pela USP