Centenas de milhares de estudantes e trabalhadores saíram às ruas da Argentina nesta terça-feira (23/04) para protestar contra o ajuste que o governo do presidente de extrema direita Javier Milei impôs à educação pública do país.
Os cortes orçamentários de Milei fazem parte do chamado “Plano Motoserra”, uma série de ações do governo ultraliberal que visam cortar gastos do Estado.
A jornada foi marcada por protestos simultâneos em Buenos Aires e em diversas capitais de províncias, como Córdoba, Mendoza, Rosario e outras importantes cidades do país.
Na capital do país, onde ocorreu a maior mobilização, a marcha se reuniu por volta de 15h30 em frente ao Congresso e seguiu até a Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, sede do Poder Executivo argentino.
Segundo o meio online El Destape e o jornal Página/12, por volta das 18h30 havia mais de 800 mil pessoas lotando a Praça Maio, e transbordando pelas ruas e avenidas que a cercavam. Outros meios de comunicação locais projetam que o balanço final da jornada poderia ultrapassar a marca de um milhão de participantes, considerando as marchas realizadas nas outras províncias.
Esse sucesso superou uma tentativa do governo Milei de desmobilizar os diversos setores envolvidos no evento, a partir de um anúncio feito dias atrás, no qual prometia um aumento de 140% nas despesas de funcionamento das escolas e universidades.
A medida foi apresentada como “resultado de um “consenso” alcançado com os reitores. No entanto, representantes do Conselho Interuniversitário Nacional (CIN, que reúne os reitores das universidades argentinas) negaram ter chegado a um acordo com a Casa Rosada, e reforçaram o seu apoio à marcha nacional. Segundo a organização, os cortes feitos pela gestão Milei afetariam um total de 57 instituições em toda a Argentina, as quais empregam mais de 250 mil pessoas e educam cerca de 2,5 milhões de estudantes.
Vale ressaltar que Milei extinguiu o Ministério da Educação, assim como os da Saúde, Trabalho, Habitação e outros que se tornaram subsecretarias dentro do chamado Ministério do Capital Humano.
Essa única pasta para questões sociais apresentou nesta mesma terça-feira uma nota afirmando que “a política de congelamento orçamental foi levada a cabo pela administração anterior”, tentando responsabilizar o anterior presidente, Alberto Fernández (2019-2023), pela atual crise universitária.
A narrativa governista foi fortemente criticada pelo próprio Fernández, que acusou o seu sucessor de tentar “encontrar bodes expiatórios para projetos que ele sabe que não terão sucesso, nem terão o apoio do povo”.
“Conseguir um excedente orçamentário insignificante à custa de fazer o Estado deixar de cumprir suas obrigações essenciais não é o caminho certo. A saúde e a educação públicas têm sido pilares do nosso povo. Não vamos permitir que eles os destruam. Chega de mentiras!”, disse o ex-presidente, em suas redes sociais.
Oposição nas ruas
Acompanhado de sua esposa, Malena Galmarini, e dos filhos Tomás e Milagros, o principal adversário de Javier Milei nas eleições presidenciais de 2023, Sergio Massa fez sua aparição pública nas proximidades do Congresso argentino, em adesão à marcha universitária. No entanto, suas palavras foram curtas.
“Hoje a gente não fala, são os jovens que devem falar”, declarou o ex-candidato pela coalizão União pela Pátria, cercado por centenas de apoiadores, acrescentando que a “as demandas são deles [jovens e reitores], por um sistema universitário forte”.
Uma outra cena chamou atenção. Vídeos gravados durante os atos registraram a ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015) na sacada do Instituto Pátria, também localizado próximo ao Congresso, cumprimentando os manifestantes que se dirigiam à Praça de Maio.
A ex-mandatária exibiu um moletom da Universidade Nacional de La Plata (UNLP), instituição onde ela se formou em Direito, como um gesto de apoio à educação pública.
🔴Cristina Kirchner salió al balcón del Instituto Patria para apoyar la multitudinaria marcha universitaria pic.twitter.com/pQgiJX5Vzx
— El Destape (@eldestapeweb) April 23, 2024
Antes da marcha, Kirchner já havia se posicionado a favor da mobilização estudantil por meio de suas redes sociais. Em uma publicação, ela mostrou sua ficha estudantil e a de Néstor Kirchner (seu falecido marido e também ex-presidente da Argentina, entre 2003 e 2007), da época em que estudavam na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da UNLP.
“Educação pública para a igualdade de oportunidades”, disse a líder da oposição.
Nuestras fichas de la Universidad Nacional de La Plata y nosotros dos en el verano del 75’-76’, todavía estudiantes. ¿Quién podía imaginar que 27 años después íbamos a presidir una Argentina en la cual creamos e inauguramos 16 nuevas universidades públicas logrando que, por… pic.twitter.com/AJWpgGjhrB
— Cristina Kirchner (@CFKArgentina) April 23, 2024
O governador da Província de Buenos Aires, Axel Kicillof esteve na marcha, junto com a vice-governadora, Verónica Magario. Ambos são opositores das políticas ultraliberais de Milei, disseram ter ido às ruas em defesa da educação pública.
“Tenho a impressão de aqui está a luta dos universitários. Aqui se reflete o que a cultura, o cinema nacional significa para nós. O que significa uma história e uma tradição que foi obtida com a luta de um povo que se defende contra este caminho (proposto por Milei)”, declarou Kicillof, ao se descrever “impressionado” com a dimensão da marcha que “representa muito um sentimento que faz parte da nossa história”, comentou o governador, que recordou ter concluído todas as etapas dos seus estudos em instituições públicas.