O fundador de Opera Mundi, Breno Altman, conversou nesta sexta-feira (21/05), durante o programa 20MINUTOS ENTREVISTA, com o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho sobre o sistema judiciário brasileiro e as mudanças que precisam ser estabelecidas na Justiça do país.
Conselheiro da organização internacional Human Rights Watch, Botelho apontou que o Judiciário do Brasil é um setor “antidemocrático, racista e punitivista”, que tem “graves problemas estruturais, principalmente na área criminal”.
“Assim como nosso país é estruturalmente racista, ele é estruturalmente punitivista. Nosso sistema penitenciário não ressocializa ninguém. […] O Judiciário é muitas vezes seletivo e muitas vezes acessado por aqueles que têm recurso e contra aqueles que não tem. E isso traz um resultado muito danoso”, disse.
O advogado cita durante a conversa que há uma parcela de “milhares de jovens negros e primários” que “sofrem no dia-a-dia em fóruns que não conhecemos e que sofrem na mão desse Judiciário que é muitas vezes seletivo, racista e antidemocrático do ponto de vista de acesso”.
Para ele, então, é preciso que haja “mudanças estruturais profundas” que comecem desde a formação dos atores que compõem o sistema, para que, assim, seja possível “ter a esperança de um sistema melhor”.
Botelho defende a criação do “juiz de instrução”, o que no Brasil é colocado como “juiz de garantia”. O criminalista explicou que a função é pensando em uma justiça “mais justa”, já que o juiz de instrução “não será o mesmo que autoriza recursos da investigação durante um processo”.
“As pessoas entendem que o ‘juiz de garantia’ seria uma conduta para beneficiar bandido. É preciso alterar o nome para ‘juiz de instrução’, como é em outros países. No entanto, essa criação está suspensa por conta de uma liminar do ministro Luiz Fux”, afirmou.
Operação Lava-Jato
Ainda no programa, Altman e Botelho comentaram sobre possíveis acertos e erros da Lava-jato, no qual o criminalista declarou que a operação “criou métodos completamente ilegais” durante as investigações.
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Para Botelho, o Judiciário brasileiro tem ‘graves problemas estruturais, principalmente na área criminal’
“A Operação já começou errada […] havia uma postura messiânica, de paladino da Justiça e uma postura de justiceiro por parte do Judiciário, Ministério Público Federal e de juízes. Juiz não combate crime, juiz aplica a lei”, declarou o advogado afirmando que, a partir do momento em que um juiz se coloca combatendo crime, ele “perde a parcialidade”.
Para Botelho, as mensagens que foram divulgadas pela Vaza-Jato entre Sergio Moro, Deltan Dallagnol e procuradores não têm um “pingo de normalidade”. O advogado afirmou que o episódio é o “maior escândalo da história do Poder Judiciário brasileiro”.
“Eu trabalho há 20 anos com a Justiça criminal. Se alguma dessas pessoas que naturalizam ou normalizam essas trocas de mensagens entre um juiz e uma parte do processo que esse juiz vai julgar, eu pego minha Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e jogo ela no lixo. É evidente que isso não tem nenhum pingo de normalidade”, disse.
De acordo com Botelho, nas trocas de mensagens não há uma “relação natural” entre pessoas que trabalham na mesma área. Para ele, a Operação Lava-Jato “virou um método ilegal de investigar, de processar e condenar”.
Botelho aponta que, para ele, a Lava-Jato virou um “reality show”, induzido, em certa medida, pela grande imprensa, já que “condenação vende notícia, dá manchete e estampa na capa de jornal”. “Virar um reality show faz muito mal ao sistema de Justiça. Sou um crítico quase isolado sobre isso. No livro que escrevi, que será lançado em breve, faço uma reflexão sobre a crise que o poder judiciário passa. Uma das razões que entendo dessa crise é a hiper exposição do Poder Judiciário brasileiro”, disse.
Prisões brasileiras
O Brasil é o terceiro país com o maior número de encarcerados do mundo, ficando atrás somente dos Estados Unidos e da China. Para o criminalista, deve ser discutida de “forma gradual” uma possível legalização das drogas, começando pelo “porte para consumo”. Segundo o criminalista, o sistema prisional brasileiro prende pessoas “que não precisariam estar presas”.
“A guerra às drogas é a guerra mais fracassada da história da humanidade. Nós perdemos anos após anos e nada muda. Temos uma política completamente equivocada, uma legislação que é interpretada das formas mais diversas possíveis, que deixam grandes traficantes em liberdade e um usuário encarcerado”, declarou.