No programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (19/10), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, buscou explanar os motivos pelos quais a inflação no Brasil vem subindo.
De acordo com a evolução do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, a alta de preços acumulada no ano já é de 6,90% até setembro, e de 10,25% nos últimos doze meses.
“Obviamente essa escalada de preços nada tem a ver, de forma expressiva, com aumento relativa da demanda frente à oferta, mesmo que tenha havido uma relativa paralisia na produção durante a pandemia. Também porque a renda média do brasileiro com algum tipo de ocupação caiu 8,8% entre o segundo trimestre de 2021 e o de 2020”, começou Altman.
Ele relembrou que o desemprego bateu em 14% a partir da pandemia, com 14 milhões de brasileiros sem qualquer ocupação rentável. A crise também aumentou o número de trabalhadores informais e por conta própria.
Apesar disso, os preços continuaram subindo: “A disparada do preço de alimentos, combustível, gás de botijão e energia está diretamente associada a um problema estrutural da economia brasileira na era neoliberal: o câmbio flutuante”.
O câmbio flutuante foi algo instituído durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Significa que a relação entre o dólar e o real, a chamada taxa de câmbio, se movimenta conforme as forças do mercado. O governo pode tentar intervir comprando ou vendendo dólares, mas não pode mais determinar a taxa de câmbio.
“O fato é que, desde janeiro de 2019, quando Jair Bolsonaro tomou posse, o real sofreu uma maxidesvalorização de 34,35%. O dólar valia R$ 3,65 e hoje custa R$ 5,56. No final de 2019, valia R$ 4,02 – ou seja, desde o início da pandemia até agora, a desvalorização do real foi de 27,70%. É a moeda que mais se desvalorizou no mundo desde 2019. Mais que o peso argentino”, enfatizou o jornalista.
Além disso, com a economia brasileira passando por um mau momento, o capital estrangeiro deixou o país. Com menos dólares circulando, o preço sobe, o real se desvaloriza.
Altman, entretanto, aponta esse como sendo apenas um dos fatores do problema. O outro fator se dá pelo preço da energia, especialmente quando vinculada ao petróleo, que também está alinhado com o mercado internacional, “por exigência dos acionistas e pressão do capital financeiro”.
Na prática, isso quer dizer que, mesmo quando o petróleo é extraído e refinado no Brasil, o preço por litro é determinado pela cotação mundial, multiplicado pelo câmbio. Como o custo da extração do pré-sal é relativamente baixo, frente ao preço internacional, a margem de lucro cresce muito. Quando o real se desvaloriza, cresce mais ainda, ao menos em moeda nacional.
“Isso permite lucros e dividendos crescentes para os grandes investidores da Petrobrás, por exemplo. Além de vender ativos e interromper investimentos de médio e longo prazo, particularmente na indústria de refino, o aumento do preço da gasolina, do diesel e do gás de botijão beneficia esses capitalistas, em prejuízo do povo brasileiro e da nossa economia”, agregou Altman.
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‘Desde janeiro de 2019, quando Bolsonaro tomou posse, o real sofreu uma maxidesvalorização de 34,35%’, disse Altman
Com o combustível mais caro, o transporte de mercadorias encareceu, afetando destacadamente o preço dos alimentos, explicou o jornalista.
“O papel do agronegócio na inflação é ainda mais grave, com os latifundiários e sua cadeia produtiva embolsando o ganho cambial e aumentando os preços internos de seus produtos. Os ruralistas são beneficiados pelo empobrecimento dos brasileiros em dólar, pela inflação interna, sem pagar qualquer imposto de exportação e devolver parte de seus lucros ao Estado, e as famílias de baixa renda são ainda mais prejudicadas”, ressaltou.
Outros efeitos
O jornalista ainda ponderou que a desvalorização cambial também afeta a economia sob outro ângulo, encarecendo produtos que o Brasil importa – entre esses, alguns básicos, como o trigo, item fundamental da alimentação – “e dificultando o acesso da indústria brasileira a máquinas, equipamentos e tecnologia que possam aumentar sua produtividade”.
Ele lamentou que, mesmo com o encarecimento dos produtos importados, a indústria nacional é incapaz de reagir, “pois faltam investimentos”, de modo que o mercado interno fica ainda mais retraído com a inflação “e o atraso tecnológico acumulado em muitos setores não é pouca coisa”.
“Os salários vão sendo desvalorizados tanto frente ao dólar quanto corroídos pela inflação interna, sem que os trabalhadores possam reagir com maior energia, lutando por aumentos salariais, porque o alto desemprego permite aos patrões a rotação nos postos de trabalho, ainda mais sob o império da reforma trabalhista que flexibilizou todas as normas”, argumentou.
Altman ainda criticou os neoliberais que, diante da inflação, que pode prejudicar seus investimentos financeiros internos por estar acima da taxa de juros, pregam que o Banco Central eleve essa taxa, até torná-la novamente positiva.
“Argumentam que isso é necessário para controlar o aumento dos preços e para deter a desvalorização do real, atraindo mais capitais externos para o nosso mercado financeiro, mas isso é uma balela. Aumentar a taxa de juros nada tem a ver com o mecanismo inflacionário atual, determinado pelo atrelamento de preços fundamentais ao dólar. Além disso, encarece ainda mais a produção e espanta novos investimentos, o que pode empurrar o país para a estagflação – a trágica combinação entre inflação, estagnação da economia, queda do emprego e arrocho da renda”, defendeu.
Para ele, o que deve ser feito é desatrelar os preços internos em relação ao câmbio, com uma mudança profunda na política de preços da Petrobrás. “Também precisamos taxar o ganho cambial dos ruralistas, no mínimo para permitir recursos que viabilizem a formação de fortes estoques reguladores do Estado para enfrentar o aumento de preço dos alimentos”, argumentou.