No programa 20MINUTOS INTERNACIONAL desta quinta-feira (19/08), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou Jodi Dean, historiadora, professora e escritora norte-americana, autora do livro Camarada, recém-lançado no Brasil pela editora Boitempo.
Falando sobre a situação política de seu país, Dean reconheceu que os Estados Unidos não são uma democracia, “são uma oligarquia autoritária”, e, nesse cenário, com os dois maiores partidos do país sendo de cunho neoliberal, afirmou que “a esquerda contemporânea perdeu algo”.
Nesse sentido, para ela, o presidente Joe Biden não é progressista. Apesar de reconhecer que houve medidas positivas adotadas nos últimos seis meses, Dean disse que “precisamos de uma revolução e implementar um governo que reflita os interesses do povo”.
“A esquerda se esqueceu do que é estar do mesmo lado na luta política. Mesmo que não estejamos na mesma formação política, nossa luta é a mesma. Acho que quando a União Soviética acabou, além de uma fragmentação, houve uma desilusão sobre o que significava ser de esquerda”, refletiu.
Nos EUA, segundo a autora, a situação é ainda mais complexa pois o republicanismo já classifica os democratas como sendo marxistas, o que confunde ainda mais o sentimento de pertencimento dentro da esquerda e o que é ser progressista de fato.
“Do ponto de vista da direita, todos que acreditam em liberdade e igualdade são de esquerda. E a esquerda não sabe o que é ser de esquerda, então se ataca entre si”, discorreu.
Para ela, a linha que divide os dois lados é o capitalismo: “Podemos ter um capitalismo humano? Todos que se dizem progressistas, socialistas e marxistas devem dizer que não. Do ponto de vista capitalista não cabe o respeito à população negra, por exemplo, porque é possível lucrar com a exploração do povo negro. Ou seja, não tem como ter um mínimo de respeito e dignidade dentro do capitalismo”.
Reprodução/Boitempo
Autora apontou para as divisões dentro da esquerda estadunidense e a necessidade de reconstruir unidade
Dean é otimista e afirmou ser, não só possível, como necessário, um governo de esquerda no maior exemplo de capitalismo do mundo. Ela argumentou que o capitalismo norte-americano agora está gerando um “des-desenvolvimento” nos EUA e, por isso, “é necessário um governo revolucionário”.
Assim, ela acredita que o “horizonte comunista” ainda é válido: “É a linha que marca onde estamos e onde podemos estar, o que podemos alcançar. Precisamos de algo que nos mostre que não estamos condenados a ficar presos neste mundo neoliberal”.
A experiência soviética
A professora falou sobre a importância das experiências socialistas nesse horizonte comunista e discorreu especificamente sobre a URSS. Para ela, os soviéticos não foram derrotados.
“Porque a URSS acabou não significa que a experiência falhou. E nossa análise não pode ser só sobre como acabou e o que fez com que acabasse, mas também sobre seu rápido desenvolvimento econômico, aumento da população letrada, crescimento da expectativa de vida, conquistas nos direitos das mulheres, entre outros. As conquistas da URSS foram incríveis, mas tentamos documentar todos os erros”, ponderou.
Sobre a suposta falta de democracia que havia na URSS, Dean questionou: “Se os EUA não tivessem colocado tanta pressão nuclear sobre o país, a situação teria sido a mesma?”.
Por isso, sua referência principal é o leninismo, desde sua concepção da classe trabalhadora, “que une o proletariado industrial ao campesinato”, até sua forma de organização, com hierarquias e partidos, “com horizontalismo não se realiza nada, não é possível alcançar nenhum objetivo”.
“Um partido é necessário porque os trabalhadores estão desconectados. As separações que o capitalismo gera entre os trabalhadores deve ser remediada pelos partidos. E a interseccionalidade está implícita. Desde o começo, a questão das mulheres, por exemplo, sempre foi central para o socialismo e o comunismo. Questionar o marxismo como uma ideologia que prioriza apenas a questão de classe só evidencia as influências capitalista de quem faz a crítica”, defendeu.