No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta quarta-feira (09/06), o jornalista Breno Altman entrevistou a antropóloga e especialista em segurança pública Jacqueline Muniz.
Para ela, o Brasil “não possui um sistema de segurança pública”, mas, na verdade, uma “gambiarra de instituições que competem entre si”, impedindo o controle da interno e externo das forças de segurança, impedindo que haja transparência e possibilitando o uso dessas forças para fins político partidários, segundo explicou.
“E aí culpamos o sistema por isso. Culpamos algo abstrato e acaba não havendo responsabilização dos agentes, dos juízes, promotores e policiais”, criticou a antropóloga.
Existem vários fatores que contribuem para a manutenção dessa dinâmica. Um deles é a “guerra às drogas”, que Muniz classificou como “política de ostentação”: “A guerra contra o crime é um marketing para maximizar o medo. Diante do medo, as pessoas aceitam que se faça qualquer coisa, imediatamente. Valida a lógica policial e não resolve o problema. É um discurso moralista, para enganar bobos”.
O outro é a herança da ditadura. A também pesquisadora e professora da Universidade Federal Fluminense lembrou que a última reforma da polícia foi em 1968, quando esta foi subordinada ao Exército, criando-se a polícia militar, cujas ações, novamente, têm o objetivo de maximizar o medo. “A polícia tem que produzir obediência, não sujeição”, ressaltou.
Segundo ela, essa lógica nunca foi contestada. E agora, com um governo de direita, virou projeto de poder: “Promover a insegurança e aparelhar o medo dá certo, é útil, porque então todo o mundo abre mão de suas liberdades e direitos”.
Reformas no sistema
Muniz analisou os passos necessários para realizar uma reforma da polícia e do sistema de segurança pública. Segundo ela, são coisas complicadas, pois “segurança pública é atravessada por juízos morais e visões de mundo. Além disso, qualquer reforma precisa passar pelo imediato, porque é algo que custa vidas e liberdade”.
Ela afirmou que, apesar dos governos progressistas terem sido os únicos a realizar melhorias no sistema, promovendo a democratização de práticas policiais e implementando mecanismos de transparência, por exemplo, a esquerda tende a fugir do debate ou abordá-lo com demasiada superficialidade.
Reprodução
Muniz apontou que a última reforma da polícia foi em 1968, quando esta foi subordinada ao Exército
“Para realizar reformas na polícia, a gente precisa falar de controle e a esquerda tem medo de falar disso porque, tradicionalmente, significa restrição de liberdades e invasividade de direitos. Mas você precisa controlar a polícia, se não ela tem um cheque em branco para fazer o que quiser”, ponderou a antropóloga.
Assim, um futuro governo de esquerda, para ela, precisa enfrentar o tema da coerção, já que “tudo o que a polícia faz é coercitivo”. Ela reforçou que, sem controlar os mecanismos de repressão, “vamos ficar chorando a cada tragédia, o que precisamos é de liderança política que comande as forças policiais”.
Outro falho que a esquerda costuma cometer quando no poder, na opinião de Muniz, é aparelhar os direitos sociais, com o discurso de que levando cultura e educação, por exemplo, à periferia, diminui a falta de segurança.
“É um discurso restritivo e elitista, que pauta a periferia pela falta, fugindo do problema. Não diminui o poder da polícia, pelo contrário. É um pode tudo contra a cidadania”, refletiu.
Fim da polícia militar?
“Virou um mantra pedir o fim da polícia militar. É um princípio abstrato, que não está pautado em evidências e exemplos de reformas da polícia”, disse Muniz. Apesar de reconhecer os problemas na instituição, a pesquisadora argumentou que não basta simplesmente acabar com ela ou unificá-la em uma grande polícia civil, como argumentam alguns.
Para ela, a prioridade deve ser criar novas modalidades de policiamento, diversificando a polícia. Ela citou como exemplo os Estados Unidos, onde há polícias universitárias, polícias de parques, ambientais, de fronteira, entre outras, para evitar o monopólio.
“Se você tem uma polícia unificada, você cria um monopólio policial que vira um Estado em si só, que não se pode tutelar, tornando-se mais forte que o governo eleito e os mecanismos de justiça. Que é o que a gente já vê acontecer. Por isso temos casos como o do Jacarezinho”, discorreu.
Em paralelo, a polícia civil e militar (caso seja mantida) precisa receber um treinamento diferente, com alternativas táticas de ação, para controlar sua letalidade. “Aí dá na mesma se o policial é racista ou homofóbico. Enquanto eu não consigo educá-lo para que mude sua moralidade, eu controlo sua ação”, pontuou.
Além disso, a política de atuação policial deve estar disponível para consulta popular, pois “é necessário retomar os parâmetros da ação policial com controle social”. A população, seja uma vítima, uma testemunha ou mesmo o infrator são “a primeira linha de controle”, por isso é necessária a transparência.