Combinando questões gerais e outras bastante pessoais, Opera Mundi traz o especial A Pandemia no Mundo. O objetivo é verificar o impacto da covid-19 em diferentes países. Trata-se de uma enquete: as mesmas 27 perguntas são repetidas para moradores deles, de modo que as respostas possam ser acompanhadas e comparadas.
Quando a pandemia começou, dizia-se muito que o coronavírus era “democrático”, atacando igualmente pobres e ricos, brancos, asiáticos e negros, homens e mulheres.
O que a realidade mostrou é que os pobres são mais vítimas da covid-19, como a condução das políticas de saúde por governos de todo o mundo resultou em radicais diferenças no número de contaminados e de mortos.
Quem responde as perguntas hoje é a consultora Carla Borges, de Luxemburgo.
1. Descreva o grau máximo de isolamento social praticado onde você está.
Luxemburgo adotou o confinamento total a partir de 16 de março. Nos primeiros meses, eram autorizadas saídas apenas para supermercado, farmácia, prática de esportes ao ar livre com medidas específicas e em casos justificados, sob pena de multa. Exceção aos prestadores de serviços essenciais, como saúde e rede de abastecimento. Essas restrições só começaram a ser flexibilizadas em 22 de maio, depois de sensível queda na curva de contágio.
2. Quando começou sua quarentena?
12 de março.
3. Quem está com você?
Meu esposo.
4. É fácil conviver assim?
Não é fácil, mas temos buscado formas de manter nossas individualidades, mesmo com o convívio mais intensivo. O diálogo e a divisão de tarefas têm ajudado. Para famílias maiores, em que as pessoas têm de se dividir entre o cuidado dos filhos/parentes idosos e o trabalho, tem sido muito mais complicado.
5. Quando você sai de casa?
Para ir ao supermercado e, às vezes, para exercícios ao ar livre, que estão autorizados. Há duas semanas estão permitidas visitas a amigos em grupos de até 6 pessoas e mais recentemente reabriram os restaurantes, bares e cafés, com restrições sanitárias e uso obrigatório de máscaras. Mas ainda assim temos evitado.
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6. Teve ou conhece alguém no país em que está que teve covid-19?
Sim, um colega de trabalho do meu esposo e uma vizinha do prédio.
7. Como viu a ação do governo do país em que está em relação ao coronavírus?
Bastante ativa, eficaz e transparente. Recebemos informes e orientações semanais, foram formados conselhos para desenhar os planos de confinamento e de reabertura, foi montado um esquema de atendimento por telefone ou em domicílio para casos suspeitos/leves, testes em massa, máscaras estão sendo distribuídas gratuitamente, o governo ofereceu auxílio emergencial para pessoas e pequenas empresas, reembolsos de encargos trabalhistas para que as empresas não reduzam seus quadros etc.
8. Ela mudou muito com o tempo?
Aparentemente não. A flexibilização das medidas está acontecendo conforme o previsto desde o início do plano: com a baixa dos casos, iniciou-se o desconfinamento progressivo, com ampla fiscalização das medidas de proteção. Se voltarem a subir os casos, talvez seja necessário radicalizar o isolamento novamente. Apenas recentemente temos ouvido pronunciamentos públicos expressando preocupação com a economia e alguns incentivos estão sendo pensados. Por exemplo, cada morador terá um dia de hotel pago pelo governo, na expectativa de reativar o consumo no setor hoteleiro, que ficou prejudicado.
9. Você está neste país por que motivo?
Acompanhando cônjuge, que veio a trabalho.
10. Acompanhou a situação brasileira?
Sim, com muita angústia.
11. A embaixada brasileira se comunicou com você ou com pessoas que você conheça?
Não.
12. O governo brasileiro ofereceu algum tipo de ajuda?
Não.
13. Como você acompanha as notícias do Brasil?
Pela internet, via páginas de veículos de comunicação e também pelas redes sociais. Tenho acompanhado também os boletins de autoridades governamentais que se dispuseram a fazê-lo, como a prefeitura da minha cidade natal e o Consórcio do Nordeste, que tem reunido estudos científicos nacionais e internacionais e recomendações atualizadas.
14. Gostaria de voltar ao Brasil? Por quê?
Sim, mais adiante. É onde para mim faz sentido estar. O país vai precisar de muita gente para reconstruir o que vem sendo devastado.
15. Sua vida profissional mudou durante a pandemia? Como?
Sim, está praticamente paralisada. Trabalho com remotamente com projetos em direitos humanos e por hora está tudo em suspenso.
16. Sua vida afetiva (inclusive sexual, se quiser tratar disso) mudou durante a pandemia? Como?
É difícil focar em outras coisas que não a pandemia e a crise política/econômica/moral no Brasil. Isso afeta sim as relações.
17. Você engordou, emagreceu ou manteve o peso?
Permaneci igual, mas a qualidade da alimentação melhorou cozinhando diariamente em casa.
18. Você bebe mais ou menos durante a pandemia?
Bebo mais.
19. O que tem feito para ocupar o tempo durante a quarentena?
Tenho lido e escrito mais e feito alguns cursos. Tenho trabalhado também num projeto pessoal de um livro.
20. Desenvolveu, voltou a praticar ou abandonou algum hobby durante a pandemia?
Sim, yoga e bicicleta.
21. Desenvolveu, voltou a praticar ou abandonou algum vício durante a pandemia?
Não, só aumentei, rs.
22. Tem realizado atividades para cuidar da saúde mental durante a pandemia?
Sim, tenho tentado reservar espaço para meditação e manter atividades físicas, não com muita disciplina. Sigo na terapia e também tenho participado de encontros virtuais de cuidados com o feminino, que têm sido ótimos.
23. A pandemia fez com que você mudasse seu posicionamento político?
Não, só reforçou minhas convicções a favor de um sistema mais socialmente justo e um Estado voltado para a redução das desigualdades.
24. Se pudesse dar um conselho a você mesmo antes de entrar em quarentena, qual seria?
“Seja paciente – vai demorar, mas vai passar. Não é sobre produtividade, mas sobre desacelerar e esvaziar. Não queira transportar toda a vida real para a virtual porque não cabe. Responsabilizar-se por tarefas vitais é empoderador. Você vai ver que poucas coisas são mesmo indispensáveis. É preciso coragem para abandonar o que não tem mais lugar. Não queira decidir pelos outros o que é melhor para eles – contente-se em recomendar. Ajude quem quiser ser ajudado da melhor forma que puder.”
25. Você tem lido mais ou menos notícias durante a pandemia? Como é sua relação com o noticiário?
Tenho lido mais notícias, mas tenho filtrado muito mais. Elas me abalam bastante. E não leio mais os comentários das postagens.
26. Como está a questão do abastecimento de insumos no país em que você está?
Apenas falta de máscaras e álcool gel no primeiro mês, mas depois se normalizou.
27. Como está o relacionamento com sua família? Melhorou? Piorou?
Variou. No início, falávamos diariamente para compartilhar recomendações e ter notícias – era um clima de cuidado. Com o avanço da pandemia no Brasil e as informações desencontradas disseminadas pelos governos e negacionistas de plantão, o diálogo ficou prejudicado. Agora evitamos falar de covid.