Combinando questões gerais e outras bastante pessoais, Opera Mundi traz o especial A Pandemia no Mundo. O objetivo é verificar o impacto da covid-19 em diferentes países. Trata-se de uma enquete: as mesmas 27 perguntas são repetidas para moradores deles, de modo que as respostas possam ser acompanhadas e comparadas.
Quando a pandemia começou, dizia-se muito que o coronavírus era “democrático”, atacando igualmente pobres e ricos, brancos, asiáticos e negros, homens e mulheres.
O que a realidade mostrou é que os pobres são mais vítimas da covid-19, como a condução das políticas de saúde por governos de todo o mundo resultou em radicais diferenças no número de contaminados e de mortos.
Quem responde as perguntas hoje é a jornalista Janaina Cesar, de Bassano del Grappa (Itália).
1. Descreva o grau máximo de isolamento social praticado onde você está.
Eu moro na Itália, um dos países mais atingidos pelo coronavírus no mundo. A Itália foi o epicentro da pandemia no ocidente. O país entrou em lockdown no início de março. A Itália parou. Tudo foi fechado, comércio, escolas, museus, restaurantes, etc. Permaneceram abertos somente os serviços essenciais como supermercados, farmácia, hospital e fábricas de alimentos. Sair de casa era proibido, a gente podia ir somente ao supermercado ou farmácia e ao sair de casa precisávamos carregar conosco um certificado onde declarávamos o motivo da saída, especificando o endereço de nossa residência e o local para onde estávamos indo. Apesar da proibição, muita gente não respeitou a restrição e saiu de casa, mesmo a polícia italiana chegando a aplicar 10.000 multas em um único dia. A gente teve um confinamento bem pesado.
2. Quando começou sua quarentena?
O lockdown começou na segunda semana de março, mas as escolas, museus e parques já estavam fechados desde o 27 de fevereiro.
3. Quem está com você?
Marido e filhas
4. É fácil conviver assim?
Sim, mas porque temos um jardim em casa e as meninas estavam sempre lá brincando. Mesmo assim elas começaram a sentir os efeitos do lockdown, às vezes choravam pedindo para ver os amigos.
5. Quando você sai de casa?
A Itália está voltando a normalidade, saímos do lockdown e agora podemos circular por todo o país novamente. Mas eu ainda acho tudo estranho, porque a normalidade agora é sair de rua de máscara, aliás, ela virou acessório fundamental para nossas vidas. E pensar que aqui na região do Vêneto, onde moro, no dia 8 de junho, não tivemos nenhum caso de contaminação e nenhuma morte.
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6. Teve ou conhece alguém no país em que está que teve covid-19?
Sim, minha sogra contraiu a doença, mas agora está bem. Tomamos um susto. Fiz o teste e estou bem, deu negativo.
7. Como viu a ação do governo do país em que está em relação ao coronavírus?
A princípio, o caos reinou aqui no país. Teve, inclusive, político fazendo campanha contra o fechamento de Milão, que hoje é uma das cidades mais afetadas pela doença. Mas após duas semanas de guerra entre Roma e os governos estaduais, finalmente encontraram um caminho único a ser seguido. Fico revoltada quando penso que o Brasil poderia ter evitado os nossos erros e não o fez. Aliás, os ultrapassou.
8. Ela mudou muito com o tempo?
Foi feito um plano nacional de combate à pandemia. Os Estados italianos são autônomos, mas resolveram seguir as diretrizes de Roma e, finalmente, fecharam tudo, mas já era tarde e a situação já estava fora de controle. Mas, por exemplo, a região da Lombardia, que segue até hoje sendo o foco da doença, fez poucos testes, não doou material de proteção e tentou omitir dados. Já aqui no Vêneto foi diferente. O governador Luca Zaia resolveu fazer testes em todos que residem aqui, são feitos cerca de 20 mil por dia.
9. Você está neste país por que motivo?
Minha família e trabalho.
10. Acompanhou a situação brasileira?
Sim, sempre.
11. A embaixada brasileira se comunicou com você ou com pessoas que você conheça?
Não, aliás a embaixada esteve muito ausente. Estou em grupos de brasileiros que moram na Itália e a reclamação constante era justamente essa, a falta de comunicação da embaixada ou consulado. Vários brasileiros que estavam de férias aqui não puderam voltar ao país porque os aeroportos estavam fechados. Essas pessoas perderam passagens, tiveram que ficar em hotel e quando o dinheiro acabou, foram parar na casa de outros brasileiros que os recolheram por solidariedade.
12. O governo brasileiro ofereceu algum tipo de ajuda?
Não, nada.
13. Como você acompanha as notícias do Brasil?
Principalmente pelos jornais, mas também amigos e familiares.
14. Gostaria de voltar ao Brasil? Por quê?
Claro que sim. Sempre vou, de férias ou a trabalho. Mas voltar agora para morar é fora de questão, o país está passando por um momento politicamente muito complicado. E a crise econômica só piora a situação.
15. Sua vida profissional mudou durante a pandemia? Como?
Na verdade não muito. Como jornalista tinha permissão para sair e fazer minhas matérias. Mas trabalhei muito de casa.
16. Sua vida afetiva (inclusive sexual, se quiser tratar disso) mudou durante a pandemia? Como?
A vida social mudou pois ficamos mais de 60 dias sem ver amigos e parentes. Em alguns momentos a solidão bateu forte, mas a tecnologia nos salvou do delírio.
17. Você engordou, emagreceu ou manteve o peso?
Engordei um pouquinho, digamos.
18. Você bebe mais ou menos durante a pandemia?
Mais e, pelo visto, não sou a única. Durante todo o período de lockdown uma das prateleiras do supermercado que estava sempre vazia era justamente aquela dos vinhos e da cerveja. Tive que mudar o horário das compras para poder encontrar uma caixinha de cerveja.
19. O que tem feito para ocupar o tempo durante a quarentena?
Trabalhei muito e quando não estava escrevendo, estava com as meninas. Ficamos bem próximas durante esse tempo.
20. Desenvolveu, voltou a praticar ou abandonou algum hobby durante a pandemia?
Não.
21. Desenvolveu, voltou a praticar ou abandonou algum vício durante a pandemia?
Não.
22. Tem realizado atividades para cuidar da saúde mental durante a pandemia?
Sim, voltei a meditar. Estava angustiada demais, sofrendo com insônia e tendo crise de ansiedade.
23. A pandemia fez com que você mudasse seu posicionamento político?
Absolutamente não.
24. Se pudesse dar um conselho a você mesmo antes de entrar em quarentena, qual seria?
O de passar o dia na praia ou fazendo algo em companhia de gente querida, porque por meses isso se tornaria impossível.
25. Você tem lido mais ou menos notícias durante a pandemia? Como é sua relação com o noticiário?
Acho que um pouco mais, apesar de ler sempre e muito, pois faz parte do meu trabalho.
26. Como está a questão do abastecimento de insumos no país em que você está?
Tivemos grandes problemas com o abastecimento de materiais de proteção como máscaras e luvas, principalmente nos hospitais, casas de cura e asilos. A situação agora está controlada, mas os profissionais da saúde adoeceram e morreram as pencas.
27. Como está o relacionamento com sua família? Melhorou? Piorou?
Não mudou.