De tão indignada, Atsuko Nagayama chega a tremer. De pé ao lado de cerca de 250 manifestantes em frente à sede do governo de Tóquio, ela segura um cartaz simples, feito em casa: “Cancelem os Jogos Olímpicos”.
“É muito perigoso avançar com os Jogos porque sabemos que existem muitas variantes do coronavírus já em circulação em Tóquio”, diz a mulher de 60 anos. “Quero que o governo e o Comitê Olímpico Internacional caiam em si e percebam o perigo em que nos encontramos.”
Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio serão os primeiros a serem realizados em meio a uma pandemia global, após terem sido adiados em 2020.
O protesto foi programado para marcar exatamente um mês a partir da cerimônia de abertura no novo Estádio Nacional, marcada para 23 de julho.
Mais de 80% temem explosão de casos
Organizados por uma coalizão de mais de dez grupos que se opõem aos Jogos Olímpicos, os manifestantes se reuniram no distrito de Shinjuku, em Tóquio, antes de marcharem para uma praça próxima à movimentada estação Shinjuku. Os policiais os seguiram de perto.
Segundo pesquisas, a oposição à realização dos Jogos diminuiu entre a população – chegou a 84% em maio e agora está em cerca de 60%.
Mas a preocupação de que o evento possa levar a uma retomada nos casos de covid-19 na cidade é alta: 86% dos japoneses compartilham esse temor, segundo pesquisa do domingo passado encomendada pela agência Kyodo News.
Os casos estão crescendo atualmente em Tóquio: a média para a semana passada foi de mais de 450 casos por dia, acima da semana anterior, que foi de 389.
O Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Tóquio é inflexível em afirmar que os jogos irão adiante apesar da pandemia.
Um relatório de um painel de especialistas criado pelo Ministério da Saúde advertiu na quarta-feira que os novos casos do coronavírus deixaram de cair e começarão a subir com força novamente.
Especialistas estão particularmente preocupados com a rápida disseminação da variante delta, que se acredita ser até 90% mais contagiosa do que as variantes anteriores.
Epidemiologistas dizem que a variante poderia ser responsável por quase 69% de todas as novas infecções no Japão até 23 de julho, dia da abertura dos jogos.
Diretrizes rígidas para espectadores
Numa tentativa de conter a propagação do vírus, o governo anunciou um limite de 10 mil espectadores durante eventos no Estádio Nacional e outros limites em outras sedes de eventos, variando de acordo com o status da pandemia em cada região do país.
Julian Ryall
Manifestantes em Tóquio: eles dizem que o governo está ignorando apelo de especialistas
Na quarta-feira, enquanto os manifestantes saíam às ruas, o comitê organizador divulgou um conjunto de diretrizes rigorosas para o evento.
Os portadores de ingressos terão sua temperatura verificada antes de entrar em um local. Eles não poderão comer ou beber em grupos e não poderão comprar ou levar álcool para os estádios. Máscaras faciais serão obrigatórias para os torcedores.
Além disso, os espectadores não terão permissão para gritar ou torcer pelos atletas e deverão deixar o local imediatamente após um evento. Qualquer pessoa que não cumprir as regras será expulsa.
Mas as novas regras não conseguiram aplacar a indignação de moradores.
Haruo Ozaki, presidente da Associação Médica de Tóquio, disse na terça-feira que é “incompreensível” que o governo japonês, o Comitê Olímpico Internacional e o comitê organizador local estejam avançando com os Jogos.
Em 18 de junho, a Associação Médica de Tóquio uniu-se a outros órgãos médicos para apresentar um apelo conjunto ao governo, solicitando que os Jogos fossem cancelados ou realizados sem nenhum espectador.
“Governo ignora especialistas”
No protesto em Tóquio, Nagayama explica que ela vê o compromisso contínuo do Japão com os Jogos como um claro desrespeito às recomendações médicas:
“O governo está ignorando o que os cientistas e os especialistas estão dizendo”, disse a manifestante. “Se os Jogos forem adiante, coisas ruins vão acontecer. O governo está pensando apenas em dinheiro, mas acreditamos que a vida das pessoas é muito mais importante”, completa.
Akiyoshi Funaki, professor aposentado da cidade de Yokosuka, ao sul de Tóquio, também foi ao protesto. Ele expressa outra objeção aos Jogos: “Parem de gastar dinheiro nos Jogos Olímpicos e gastem na educação e nas crianças, o futuro da nação”.
O custo dos Jogos deverá crescer em cerca de US$ 3 bilhões, após o adiamento em 2020. Também se espera que o evento perca em milhões de receitas após a restrição nas vendas de ingressos, incluindo a proibição de entrada de estrangeiros.
Usando um megafone direcionado para a sede do governo de Tóquio, Funaki chama os funcionários da administração da governadora Yuriko Koike – que chegou a ser internada no hospital sofrendo de exaustão na terça-feira – para descer e explicar suas políticas sobre os Jogos para os manifestantes.
“O que você está pensando?”, grita ele ao megafone. “Nossos filhos deveriam ser a prioridade. Não é tarde demais para cancelar os Jogos Olímpicos. Faça a coisa certa”.