Um novo livro do jornalista Bob Woodward, que será lançado na próxima semana, traz declarações em que o presidente Donald Trump admite saber da gravidade do coronavírus, mas que decidiu deliberadamente diminuir a importância da doença para não causar pânico. A revelação foi feita pelo jornal The Washington Post e pela emissora CNN. As declarações estão registradas em áudio.
Woodward é, junto com Carl Bernstein, um dos responsáveis, em meados da década de 1970, pelas reportagens no Washington Post sobre o caso Watergate, que ajudou a derrubar o então presidente republicano Richard Nixon.
O livro do jornalista sai no dia 15 de setembro e se chamará Rage (Fúria, em tradução livre).
Em um primeiro trecho na conversa, gravado ainda em 7 de fevereiro, Trump diz ao jornalista que sabia da gravidade e da mortalidade do vírus.
ELEIÇÃO NOS EUA: ÚLTIMAS PESQUISAS, NOTÍCIAS E TUDO O QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE O PLEITO
Donald Trump: É transmitido pelo ar, Bob. É sempre mais difícil do que pelo toque. Você sabe, o toque, você não precisa tocar nas coisas. Certo? Mas o ar, você só respira e é transmitido assim. Então, é algo complicado. É algo muito delicado. É inclusive mais mortal do que – você sabe, mais do que as gripes muito fortes. Você sabe, as pessoas não imaginam, nós perdemos 25 mil, 30 mil pessoas ao ano aqui [por causa da gripe]. Quem que pensaria numa coisa dessas, né?
Bob Woodward: Eu sei. As pessoas esquecem disso.
DT: Impressionante. E então eu digo, bem, essa é a mesma coisa…
BW: O quer você pode fazer para…
DT: Este é mais mortal. Este é cinco por… você sabe, é cinco porcento [de mortes] versus um porcento e menos de um porcento. Sabe? Então, isso é algo mortal.
“Evitar pânico”
Em outra conversa, gravada em 19 de março, Trump admite ter intencionalmente afirmado que o vírus não era tão perigoso para, segundo ele, evitar causar pânico na população.
DT: Agora, está parecendo não atingir apenas pessoas idosas, Bob. Somente hoje e ontem, alguns fatos alarmantes apareceram. Não é só velh… mais velhos.
BW: Sim, exato.
DT: Pessoas jovens também, muitas pessoas jovens.
BW: Então, me conte…
DT: Então, o que está acontecendo…
BW: … um momento quando falou com alguém, passando por isso com [o infectologista e membro da força-tarefa da Casa Branca para a covid-19 Antony] Fauci ou alguém parecido, que causou uma mudança na sua cabeça. Porque está claro, a partir do que foi dito em público, que o senhor mudou sua posição para ‘meu Deus, a gravidade é quase inexplicável’.
DT: Bom, eu acho, Bob, realmente, para ser honesto com você…
BW: Claro, eu quero que você seja.
DT: Eu queria… eu sempre quis diminuir [a importância]. Eu ainda prefiro diminuir, porque não quero criar pânico.
White House
Em entrevista, Trump admitiu minimizar covid-19 para ‘não causar pânico’
Segundo a CNN, as conversas foram gravadas com a permissão do presidente norte-americano e ocorreram durante algumas das 18 entrevistas concedidas por Trump a Woodward entre 5 de dezembro de 2019 e 21 de julho de 2020.
O livro ainda traz declarações de membros do governo como Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA. Segundo o jornalista, Fauci teria dito a outros oficiais norte-americanos que Trump está “à deriva” e que o “seu único propósito é ser reeleito”.
Trump foi avisado que pandemia seria ameaça
O autor do livro também revelou que no dia 28 de janeiro, o assessor de segurança nacional de Trump, Robert O’Brien, avisou o presidente que a pandemia do novo coronavírus poderia ser a “maior ameaça de segurança nacional” do mandato do republicano.
Durante entrevista a Woodward no dia 6 de maio, Trump disse que não se lembrava dos alertas de O’Brien, mas que era provável que o assessor os tivesse feito.
BW: Então, agora, eu entendo…
DT: …era muito cedo.
BW: Seu novo assessor de segurança nacional, O’Brien, te disse em 28 de janeiro, “Sr. presidente, isso vai ser… esse vírus vai ser a maior ameaça de segurança nacional da sua presidência”. Você se lembra disso?
DT: Não, não. Eu não me lembro. Eu não me lembro. Eu tenho certeza de que se ele tivesse dito… sabe, eu tenho certeza que ele disse. [Ele é um] cara legal.
Minimizando o vírus
Assim como o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, Trump passou boa parte da pandemia minimizando o vírus e sugerindo alternativas não comprovadas cientificamente – como a cloroquina – ou mesmo perigosas, como a injeção de água sanitária para combater a covid-19.
A postura de Trump só mudou com a aproximação das eleições no país, nas quais ele disputa a reeleição contra o democrata Joe Biden. A partir daí, mudou (ou, ao menos, disse que mudou) sua posição para com a crise e chegou a defender até o uso de máscara. Pesquisas mostram que a população norte-americana avalia negativamente as ações do presidente na pandemia.