Em 1988 eu tinha vinte e dois anos. No emblemático ano que precedeu a primeira eleição democrática pós ditadura militar, a Constituição, até hoje em vigor no Brasil, foi votada e promulgada.
O meu deputado constituinte foi Florestan Fernandes, do Partido dos Trabalhadores. Acompanhava os debates nos raros programas de tv e pelos jornais quando tinha grana pra comprar. Foi um tempo de aprendizado, de formação política, de convicções consolidadas e abandonadas, de descobertas e decepções.
O ir e vir dos partidos, os conchavos, os acordos, a construção dos direitos, a derrubada dos tabus, a convicção de que a política é algo inevitável e incontornável, que está no nosso dia a dia, nas nossas escolhas e determina os nossos rumos.
Cresci no pós-ditadura e vi a vida dura melhorando aos pouquinhos com todas as contradições. Mesmo o que era cruel e decepcionante se mostrava digno de esperança e de possibilidades de mudança.
Os anos 90 foram anos decepcionantes de desemprego, subemprego, faculdade feita na porrada e de ingresso no serviço público por concurso que foi garantido pela Constituição Federal. O jeito do filho da classe trabalhadora conseguir alguma estabilidade pra determinar o mínimo de planejamento sem corroer o caráter.
Reprodução
Florestan Fernandes, deputado constituinte: neste dia 13, deu vontade de votar nele de novo
A vida seguiu. Vieram os anos de governos de centro e esquerda, de algum avanço nos direitos difusos, da gente excluída ter alguma oportunidade. Mas o tempo de exclusão de toda essa gente foi grande demais pra se resolver em tão pouco tempo.
Hoje eu tava ouvindo uma entrevista do Valerio Arcary, professor e militante do PSOL, na qual ele apontava o estado de anormalidade em que vivemos, a ruptura do pacote democrático do pós-ditadura, o fim da alternância direita/centro esquerda, o fim dos eflúvios da constituição de 1988, a extrema direita no poder.
Ele foi ao ponto.
Daí vem a angústia, daí vem o mal-estar, o medo e a incerteza. Cresci com a sensação de que o mundo sempre ia melhorar, que mesmo as batalhas parcialmente perdidas trariam um alento, a sensação de passo dado. De repente o absurdo, a barbárie batem à porta. Fomos surpreendidos e temos que admitir.
Valério está certo, há a necessidade de reconhecermos que os instrumentos, os expedientes e as prioridades têm que mudar. Abandonar certas ilusões é um processo difícil.
Nessa sexta, 13, o que fica, o sentimento que invade é o da vontade irrealizável de votar novamente em Florestan Fernandes. É a utopia desafiando tempos distópicos.