A compreensão da ditadura militar como uma expressão de organização política, resultado de um processo íntimo da dinâmica social, ou uma resposta a uma situação extrema como uma ‘revolução comunista”. Essa é uma das principais colaborações da obra “Poder e desaparecimento”, da editora Boitempo, escrita pela pesquisadora e ex-presa política Pilar Calveiro.
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O livro traz uma importante colaboração para o entendimento e apreensão da lógica de poder que produziu, na Argentina, os campos de concentração. Essa lógica também foi responsável pela tortura e pelo desaparecimento de dezenas de milhares de pessoas que, por diversos motivos, se tornaram alvo de uma lógica de repressão vivida em diferentes níveis na América Latina. A obra ajuda, ainda, a identificar traços da manifestação do “poder desaparecedor” em locais como Guatanámo ou outras prisões “fora dos direitos humanos”
Composta também por relatos de presos políticos, de militares e ativistas, “Poder e desaparecimento” não se posiciona de acordo com o olhar de nenhum desses personagens. No entanto, os analisa e os apresenta dentro de uma profunda reflexão sociológica do funcionamento e da estrutura de poder que mantinha o funcionamento dos campos de concentração – desde o sequestro, passando pela tortura física e psicológica, até o assassinato e desaparecimento dos corpos.
Em um trecho, a autora explica que a burocrática estrutura de funcionamento dos campos de concentração, onde as pessoas cumprem as ordens sem questionar o porquê – sem, às vezes, nem saber de onde elas vinham e nem contra quem seriam aplicadas – construía uma sensação de que esses espaços existiam por conta própria e, mais do que isso, estavam acima de qualquer julgamento, de qualquer possível mudança.
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“O campo de concentração aparece como uma máquina de destruição que toma vida própria. A impressão é de que ninguém pode detê-la. A sensação de impotência diante do poder secreto, oculto, visto como onipotente, cumpre um papel fundamental para sua aceitação total e para um atitude de submissão generalizada”.
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Outra base importante do livro é explicar a dimensão e o mecanismo por trás da “quebra psicológica” produzida dentro dos campos de concentração. Era um procedimento padrão, explica Pilar, tratar os presos por número, e não por nome, cobrir os rostos com capuz e proibir a comunicação. Isso compunha um processo de tirar a personalidade, a individualidade dos sujeitos. Assim, explica, a ditadura reafirmava seu poder e destruía o que surgia como oposição a ele.
“Poder e desaparecimento”, portanto, traz uma importante colaboração para as discussões e análises em torno dos períodos ditatoriais. Principalmente por apresentar um teor sociológico e psicológico que se soma as abordagens mais tradicionais. É indispensável para se entender o porquê esses sistemas de poder aconteceram, se sustentavam e, principalmente para, como declara a autora, “impedir que continuem ocorrendo”.