Após mais de um ano sem ver o rosto curioso dos turistas que invadiam suas calles e passeavam por seus canais, Veneza, finalmente, volta a viver. Com o afrouxamento das medidas de restrição impostas pela pandemia do coronavírus, a laguna repensa seu futuro e tenta responder ao questionamento de Hashim Sarkis, curador da 17ª edição da Bienal de Arquitetura: como vamos viver juntos?
Inaugurada no dia 22 deste mês, a mostra que ocupa o arsenal e os jardins de Veneza permanece aberta ao público até 21 de novembro. Esta edição, que conta com a participação de 63 países, está bem longe de ser uma mostra técnica com projetos e maquetes arquitetônicas. Ela é, sim, muito artística. Percorrer os corredores do arsenal e os pavilhões dos jardins é mergulhar em um mundo regado por instalações, vídeos e fotografias onde arquitetos dialogam sobre o papel dos espaços públicos e privados de convivência.
Diante da pandemia, a intensificação da crise climática, os deslocamentos populacionais de massa, a instabilidade política globalizada e as crescentes desigualdades raciais, sociais e econômicas se tornaram ainda mais relevantes. A era do antropoceno foi colocada em discussão: é necessário repensar as fraturas do presente para entendermos que mundo deixaremos para o amanhã.
O pavilhão do Japão responde com poesia à pergunta do curador. Ao entrar no prédio, notam-se vários troncos de madeira de uma casa de uma pequena vila que foi desmontada e que viajou até Veneza. Os troncos foram numerados e colocados no pavimento. Na parede, fotos da casa ainda erguida. Mas a história deles não termina na laguna. Após o encerramento da mostra, serão mandados a Oslo para a construção de uma comunidade.
Em frente ao pavilhão japonês encontra-se o dos países escandinavos, todo feito de vidro para questionar o uso dos espaços – o que estamos disposto a compartilhar com os outros? – e onde a palavra-chave é sustentabilidade. Um grupo de arquitetos finlandeses, noruegueses e suecos mostra uma ideia de co-habitação do futuro, um grande open space onde cada objeto é feito todo de madeira.
Sustentabilidade também foi o foco do pavilhão dinamarquês. A casa dos sonhos é uma instalação contínua que ocupa todo o espaço expositivo, conectando-o à natureza governada pelo circuito das águas. O visitante é convidado a caminhar pelas passarelas de concreto, sentir o rumor dos riachos e tomar um chá de ervas aromáticas crescidas na horta orgânica que decora as paredes feitas de pino. A grande sala que conduz à saída foi alagada para lembrar que a água é vital, potente, mas também indócil.
Janaina Cesar/Opera Mundi
17ª Bienal de Arquitetura de Veneza foi inaugurada em 22 de maio
Já o pavilhão espanhol fala sobre as incertezas. Centenas de portfólios, projetos e currículos foram pendurados no teto formando uma grande nuvem branca que ocupa toda a sala central. O visitante caminha entre essa base de dados que serve para a exposição em si, onde alguns dos projetos são expostos nas salas laterais. O pavilhão austríaco também foca nos dados, mas questiona o poder da manipulação tecnológica em nossas vidas: não é por filantropia que os gigantes da comunicação se movem.
O pavilhão brasileiro aposta na força da coletividade para dar uma nova vida a prédios abandonados e mostra como os movimentos de ocupação são capazes de transformar esses espaços em um novo lar. A exposição brasileira também se destacou porque o prêmio Leão de Ouro foi conferido à arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi pelo conjunto de suas obras. Foi ela quem criou o prédio do Masp, um dos principais cartões postais de São Paulo.
Pecado que, na manhã da inauguração da Bienal, dia 20 de maio, o secretário especial da cultura, Mário Frias não soubesse quem é a arquiteta. Diante da pergunta de uma colega do jornal Folha de S.Paulo, ele disse desconhecê-la. Segundo fontes que presenciaram o momento, as pessoas ao redor de Frias ficaram chocadas com a afirmação.
Ainda somos capazes de vivermos juntos? Diante do tema da Bienal, de todos os pavilhões, o de Israel, talvez, seja o mais emblemático. Responsável por ataques à Palestina – o último aconteceu agora em maio, durou 11 dias e matou mais de 250 pessoas, a maioria em Gaza -, é difícil encontrar uma resposta positiva que não seja utópica. Tanto que a inauguração da mostra israelense, que aconteceu dia 21, foi vigiada por policiais uniformizados e à paisana.