Autorizada pela presidente Isabelita Perón em 1975, quando estava em vigência um governo constitucional na Argentina, e terminada pela ditadura civil-militar (1976-1983) que tomou o poder no ano seguinte, a chamada Operação Independência foi uma investida do Exército do país contra grupos de guerrilha de extrema esquerda – como o Exército Revolucionário do Povo (ERP) – que tentavam estabelecer focos de resistência na província de Tucumán, no noroeste argentino.
Dirigido por Jonathan Perel, o documentário Toponímia, que está na programação do 21º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários (veja abaixo os horários das sessões), joga luz sobre esse episódio de uma maneira pouco óbvia, sem recorrer a entrevistas, trilha sonora ou narrações explicativas. A ideia central é explorar, 40 anos depois, os vestígios deixados pela repressão estatal.
Reprodução
Vilarejos fundados pelo regime ditatorial argentino tinham nomes de personalidades do Exército argentino
Após a dizimação das guerrilhas, o governo ditatorial quis evitar que novos grupos armados de oposição se instalassem no local. Para isso, fundou quatro povoados que tinham o objetivo de concentrar populações dispersas pela região. Todos eles levaram o nome de personalidades do Exército argentino, sendo esse um dos indícios da batalha ideológica travada naquele tempo.
Utilizando documentos produzidos pelo próprio aparelho repressor para apontar as suas violações – movimento semelhante ao do documentário brasileiro Retratos de Identificação, de Anita Leandro – o filme de Perel se estrutura em quatro capítulos (um para cada povoado) e um epílogo (que faz alusão à localização de grupos armados daquela época em florestas da região).
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No início de cada capítulo são mostradas antigas fotos das localidades e papéis com as leis que possibilitaram a criação dos povoados. Neles podemos constatar, além da retórica de combate aos “subversivos”, informações como os nomes de pessoas e entidades que doaram terrenos para que o Estado pudesse consolidar aquele projeto. A colaboração civil com a repressão também é escancarada mais à frente no documentário através de placas que atestam a presença de autoridades religiosas em eventos governamentais.
O modo como a montagem concatena as imagens em cada um dos capítulos é semelhante; em todos os povoados – filmados nos dias de hoje – vemos um arco de boas-vindas, uma escola, uma comuna rural, uma estátua… Esta opção também nos faz notar pequenas diferenças entre os locais na atualidade: a ausência de um busto em homenagem a um membro do Exército, o pedaço arrancado de uma estátua, os diferentes dizeres pintados com a mesma tipografia. São elementos que desestabilizam a harmônica arquitetura presente no projeto inicial.
O local idealizado pelos militares é retratado pelo filme com um quê de fantasmagoria nos dias de hoje. Os raros habitantes que surgem em tela são vistos de longe, sem que seja possível para o espectador identificar algum rosto particular.
Já o trabalho de som, que reúne latidos, barulhos de máquinas e cantos de pássaros, contribui como elemento de choque com a imagem, trazendo ao espectador uma sensação crescente de impregnação daquele ambiente pelo peso do passado, algo que dificilmente uma exposição didática sobre o assunto conseguiria.
Sessões de Toponímia no 21º É Tudo Verdade:
– 8/4 – 16h – Centro Cultural São Paulo (São Paulo)
– 10/4 – 18h – Instituto Moreira Salles (Rio de Janeiro)
– 14/4 – 15h – Cinearte (São Paulo)
– 17/4 – 13h – Espaço Itaú Botafogo – Sala 6 (Rio de Janeiro)