Dois veículos oficiais com placas diplomáticas da embaixada do Brasil, contando com fuzileiros navais brasileiros, deixam La Paz, capital da Bolívia, no dia 24 de agosto de 2013, para chegar a Brasília após 21 horas de viagem, transportando Roger Molina, então senador e um dos líderes da oposição ao presidente Evo Morales.
A saída, supostamente ocorrida sem a anuência do Itamaraty, teve o diplomata Eduardo Paes Saboia como coordenador da operação, quando era encarregado de negócios em La Paz. Molina estava refugiado desde maio do ano anterior na embaixada brasileira, alegando perseguição política pelo governo – enfrentava mais de 20 processos por crimes comuns na Bolívia.
O governo brasileiro havia aceitado o pedido de asilo que solicitara. A Bolívia, no entanto, se recusava a conceder salvo-conduto para que ele pudesse cruzar a fronteira, gerando 452 dias de impasse, resolvido por Saboia de forma irregular.
Após entrar ilegalmente no Brasil, Molina permaneceria asilado até agosto de 2017, quando um ultraleve que pilotava caiu em região próxima ao Distrito Federal, levando-o à morte.
Crise diplomática após fuga ilegal
A vinda ilegal de Molina gerou uma crise diplomática entre o governo Dilma Rousseff e Morales. A administração boliviana dizia que o parlamentar era um “delinquente comum” que respondia por crimes relativos a desvios de recursos públicos e corrupção. À época, autoridades bolivianas entregaram documentos que explicavam os processos contra Molina, alegando que o caso não se tratava de perseguição política, mas de justiça comum.
Dentre os documentos entregues, constavam processos referentes ao período de 2000 a 2004, anterior ao governo de esquerda, quando o senador comandava o município de Pando. Quatro anos após entrar no Brasil, Molina foi sentenciado a cinco anos de prisão por um tribunal da cidade de Cobija, no norte da Bolívia.
Pedro França/Agência Senado
Após sindicância pela fuga ilegal de Molina, diplomata ficou suspenso e retomou destaque ao ser chefe de Gabinete de Aloysio Nunes
O caso levou à substituição do chanceler brasileiro da época, Antonio Patriota, por Luiz Alberto Figueiredo Machado. Saboia foi alvo de sindicância no Itamaraty, acusado por quebra de hierarquia, e suspenso por 20 dias.
Opera Mundi noticiou, em 2013, que Saboia assumiu ter coordenado a fuga do senador boliviano, alegando suposta violação aos direitos humanos de Molina e negando necessidade de autorização de seus superiores para sua decisão. “Não preciso de instruções específicas para situações de urgência”, justificou o diplomata após ser convocado pelo Ministério para prestar esclarecimentos.
Saboia chegou a culpar o Itamaraty por “não se empenhar devidamente na questão”.
Nomeação para a Secretaria de Ásia e Pacífico
Após ficar na “geladeira” até o final do governo Dilma, Saboia retomou destaque ao ser nomeado, em 2017, chefe de Gabinete do chanceler Aloysio Nunes, durante a Presidência de Michel Temer (2016-2018). No ano seguinte, seria indicado para comandar a embaixada brasileira no Japão. Sua nomeação foi aprovada pelo Senado por 41 votos contra oito contrários.
O diplomata permaneceu nessa posição até 23 de maio de 2022, quando foi empossado no comando da Secretaria de Ásia e Pacífico, durante o governo Jair Bolsonaro. Acabou mantido no cargo após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do novo chanceler, Mauro Vieira.
Entre outras tarefas, coordena a viagem do mandatário à China, que deverá ser iniciada nesta terça-feira (11/04).
No Itamaraty, o envolvimento de Saboia na coordenação da entrada ilegal de Molina no Brasil é tratado como caso superado. Há o entendimento que ele errou, foi punido, cumpriu os 20 dias de afastamento e retomou sua carreira diplomática, cumprindo corretamente suas funções desde então.
Opera Mundi entrou em contato com o Itamaraty, enviando perguntas com relação ao caso e o atual cargo de Saboia. A assessoria do Ministério respondeu com as informações públicas sobre a trajetória do servidor, preferindo não se manifestar oficialmente sobre eventuais contradições e problemas no fato do servidor ocupar o posto da secretaria de Ásia e Pacífico no atual governo, mesmo tendo sido nomeado na administração de Bolsonaro.