No início de dezembro, promotores federais norte-americanos acusaram um ex-diplomata do Departamento de Estado de servir como agente secreto para Cuba, há décadas atrás, classificando suas ações como uma das traições “mais descaradas e duradouras” da história.
Segundo a agência de notícias Associated Press (AP), Victor Manuel Rocha chorou enquanto estava algemado no tribunal federal de Miami sob a alegação de ter se envolvido em “atividades clandestinas” em nome de Cuba, pelo menos desde 1981 – ano em que ingressou no serviço exterior dos Estados Unidos –, ao incluir reuniões com agentes de inteligência e espionagem cubanos e fornecer informações consideradas falsas a funcionários do governo norte-americano.
A denúncia aberta fornece um estudo de caso do que as autoridades dos Estados Unidos dizem ser “esforços de longa data de Cuba” e dos seus serviços de inteligência sofisticados para atingir funcionários do país capitalista.
“Esta ação expõe uma das infiltrações de maior alcance e mais duradouras no governo dos Estados Unidos por um agente estrangeiro”, disse o procurador-geral Merrick Garland em comunicado. “Trair essa confiança ao jurar falsamente lealdade aos Estados Unidos enquanto serve uma potência estrangeira é um crime que será enfrentado com toda a força do Departamento de Justiça.”
Rocha, de 73 anos, que tem uma carreira de duas décadas como diplomata norte-americano e experiência em cargos importantes na Bolívia, Argentina e na seção de Interesses de Washington em Havana, foi preso pelo FBI em sua residência, localizada em Miami.
O Departamento de Justiça não detalhou quaisquer informações confidenciais. Ao invés disso, o caso se baseia no que os procuradores dizem ter sido as próprias confissões de Rocha, feitas no ano passado a um agente do FBI disfarçado, que se passava por um membro dos serviços de informação cubano chamado “Miguel”.
De acordo com a queixa-crime apresentada no tribunal, em conversas gravadas secretamente, o ex-funcionário elogiou o falecido líder cubano Fidel Castro como “Comandante”, rotulou os Estados Unidos de “inimigo” e prestigiou seu serviço de 40 anos como agente infiltrado. Para encobrir seus rastros, Rocha referiu-se a Cuba como “a ilha” e levou a vida se disfarçando de “pessoa de direita”.
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Promotores federais norte-americanos acusaram o ex-diplomata, Manuel Rocha, de servir como agente secreto para Cuba
Ainda de acordo com as denúncias, o diplomata aposentado teria mencionado que Cuba logrou abater dois aviões desarmados enviados pelo grupo de exilados com sede em Miami, Irmãos ao Resgate, no qual quatro opositores ao governo de Castro foram mortos em 1996. No entanto, não há nenhuma prova de que Rocha tenha ajudado diretamente os cubanos na operação militar.
A notícia surpreendeu ex-colegas e amigos, que chegavam a descrevê-lo como um admirador declarado do ex-presidente Donald Trump, que assumiu uma linha dura em relação a Cuba.
As relações diplomáticas entre Washington e Havana foram restabelecidas em 2014, após meio século de atritos da Guerra Fria, embora o governo trumpista tenha reimposto sanções a Cuba e, em 2021, o tenha redesignado como Estado patrocinador do terrorismo. Em seguida, a gestão Biden tentou restaurar algumas concessões da era Obama.
Nascido na Colômbia, Rocha foi criado em um lar de classe trabalhadora na cidade de Nova York. Ele obteve uma sucessão de diplomas em Yale, Harvard e Georgetown, antes de ingressar no serviço estrangeiro.
Principal diplomata dos Estados Unidos na Argentina entre 1997 e 2000, Rocha logo foi intitulado embaixador na Bolívia, onde chegou a intervir na corrida presidencial de 2002 semanas antes da votação ao alertar que Washington cortaria a assistência ao país sul-americano se elegesse Evo Morales.
“Quero lembrar ao eleitorado boliviano que se votarem naqueles que querem que a Bolívia volte a exportar cocaína, comprometerá seriamente qualquer ajuda futura à Bolívia por parte dos Estados Unidos″, afirmou Rocha em um discurso que foi interpretado como uma tentativa para sustentar o domínio norte-americano na região. Com efeito contrário, a declaração irritou os bolivianos e aumentou o apoio a Morales, que foi eleito três anos depois.
Rocha também serviu na Itália, Honduras, México e República Dominicana, e trabalhou como especialista em América Latina para o Conselho de Segurança Nacional.
A acusação do tipo ao então diplomata não configura um episódio isolado. Em 2010, um ex-funcionário do Departamento de Estado, Walter Kendall Myers, foi condenado à prisão perpétua por fornecer informações confidenciais a Cuba, e Ana Belen Montes, ex-analista de inteligência de defesa norte-americana, que foi condenada por espionagem para Cuba, foi libertada da prisão.