Além de buscar diálogos que possam auxiliar no fim do conflito entre Rússia e Ucrânia, a viagem de Celso Amorim a Kiev também resultado em um novo representante do país de Volymyr Zelensky no Brasil.
Andrij Melnyk foi nomeado embaixador extraordinário da Ucrânia no Brasil após o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência brasileira regressar da capital ucraniana.
Melnyk, de 47 anos, recebeu o título de embaixador extraordinário, que significa que ele não precisa estar permanentemente em Brasília para acumular a função. Inclusive, ele não estava no Brasil quando recebeu a autorização do governo Lula para exercer o cargo.
Atual vice-ministro de Relações Exteriores da Ucrânia, cargo que recebeu após escândalos na Alemanha — onde serviu como embaixador por sete anos — em novembro de 2022, o diplomata chamou a atenção por suas falas polêmicas em múltiplas ocasiões.
O ucraniano, nascido em Lviv, fez sua carreira como diplomata em países de língua germânica: se tornou embaixador da Ucrânia para a Alemanha em 2014, após quatro anos como cônsul-geral em Hamburgo (2007-2012). Anteriormente, havia sido segundo e primeiro-secretário da embaixada ucraniana na Áustria (1999-2003).
Advogado de formação, Melnyk fez mestrado em Direito Internacional na Universidade de Lund, na Suécia. De 2005 até 2007, foi conselheiro presidencial de Viktor Yushchenko.
O afastamento do embaixador se deu após julho de 2022, quando, ao programa alemão Young & Naive Podcast, o vice-ministro de Relações Exteriores, então embaixador da Ucrânia na capital berlinense, defendeu um líder nacionalista ucraniano e colaboracionista com o nazismo Stepan Bandera (1909-1959), dizendo: “Bandera não era um assassino em massa de judeus e poloneses”, afirmando que ele havia sido difamado pelos soviéticos, com apoio de israelenses e alemães.
Na época, o jornal alemão Die Tageszeitung fez uma entrevista com o historiador berlinense Götz Aly, que definiu Bandera como “o maior colaborador nazista ucraniano e antissemita”.
O jornal norte-americano New York Times, por exemplo, destacou, após o episódio, que os comentários do diplomata “imediatamente provocaram a condenação de autoridades alemãs, bem como da embaixada de Israel na Alemanha”, e fizeram com que Kiev se distanciasse de Melnyk.
Porém, essa não foi a primeira vez que o ucraniano prestou homenagens ao colaboracionista do nazismo. Em 2015, Melnyk havia colocado flores no túmulo de Bandera em Munique, o chamando de “herói”.
At the outset of my visit to Munich met with UKR community & laid down flowers on the tomb of our hero Stepan Bandera
— Andrij Melnyk (@MelnykAndrij) April 27, 2015
Andrij Melnyk/Twitter
Andrij Melnyk em encontro com Celso Amorim na última quinta-feira (11/05)
Melnyk se tornou uma figura controversa no país por exigir que a Alemanha enviasse mais apoio em forma de armamento para a Ucrânia, algo que a Deutsche Welle apontou que era uma “questão delicada para um país que tem sido altamente relutante em usar suas forças armadas desde o fim da era nazista e da Segunda Guerra Mundial”.
Em março do mesmo ano, o embaixador já havia chamado a atenção dos alemães ao demonstrar apoio ao regimento de Azov, milícia de extrema direita incorporada às Forças Armadas da Ucrânia.
´Pelo Twitter, ele disse: “Mariupol é bravamente defendida. E está sendo defendida pelo regimento de Azov. Agora vocês entendem porque russos molham as calças quando eles ouvem a palavra 'Azov'. E porque o Kremlin espalha essa propaganda horrorosa, que também prontamente cresce na Alemanha”.
Mariupol wird mutig verteidigt. Und zwar vom Asow-Regiment. Jetzt verstehen Sie, warum die Russen sich in die Hosen machen, wenn sie das Wort “Asow” hören. Und warum der Kreml diese hässliche Propaganda verbreitet hat, die auch in Deutschland gerne aufgegriffen wird https://t.co/lP1InjPx1H
— Andrij Melnyk (@MelnykAndrij) March 20, 2022
O regimento Azov foi formado por militantes da extrema direita ucraniana em 2014, com filiações neonazistas, na esteira dos conflitos separatistas no leste da Ucrânia. Ele foi reconhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça da Rússia como uma organização terrorista em agosto de 2022.
Já no mês em que se tornou vice-ministro de Relações Exteriores da Ucrânia, novembro de 2022, ele compartilhou a imagem de uma garrafa de cerveja artesanal que disse ter visto em uma loja de Berlim, que continha um rótulo com uma caricatura da ex-chanceler Angela Merkel com o texto “Biere blanche Frau Ribbentrop”.
Esta é uma referência ao chanceler de Adolf Hitler, Joachim von Ribbentrop, mais conhecido por ter assinado um acordo secreto com a União Soviética, que dividiria o Leste da Europa entre os dois países antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial.
Mais tarde, Ribbentrop seria enforcado, após uma condenação nos julgamentos de Nuremberg por seu papel no início da Segunda Guerra Mundial e na viabilização do Holocausto.
So ein Craftbier habe ich heute in einem Getränkemarkt von Kyjiw gesehen? Deutschland bleibt im Fokus pic.twitter.com/xZRmPbXhIL
— Andrij Melnyk (@MelnykAndrij) November 17, 2022
A concessão do agrément do Itamaraty ao diplomata ucraniano aconteceu na semana passada. Tanto a autorização do embaixador extraordinário da Ucrânia no Brasil, quanto a visita de Amorim a Kiev, são dois gestos com os quais Brasília tenta se aproximar do governo ucraniano.
Procurado por Opera Mundi, Itamaraty não retornou até o fechamento desta reportagem.