“Nosso tribunal decidiu apoiar a ação judicial promovida pelas ‘mulheres de conforto’ [eufemismo para designar mulheres coreanas submetidas à escravidão sexual], vítimas de militares japoneses durante o período colonial, que reivindicam indenização contra o governo japonês”. A declaração do Tribunal Superior da Coreia do Sul ordenou, nesta quinta-feira (23/11), que o Japão indenize 16 idosas sobreviventes que foram escravizadas sexualmente no período em que a península coreana ficou sob domínio do Império japonês (1910-1945).
As vítimas e seus familiares enlutados, incluindo a avó Lee Yong Soo – uma das principais ativistas para a causa – participaram do julgamento. A 33ª Divisão Civil do Tribunal Superior de Seul proferiu a decisão após analisar uma sentença anterior que rejeitava as reivindicações das idosas. Desta vez, com as denúncias acatadas, o governo japonês deverá pagar 200 milhões de won (equivalente a 754 mil reais) por danos físicos e psicológicos para cada uma das vítimas.
Apesar de nenhum funcionário do governo japonês ter comparecido aos procedimentos, a reação do vice-ministro de Negócios Estrangeiros do Japão, Masataka Okano foi imediata com a notícia. Okano chegou a protestar contra o embaixador sul-coreano no Japão, Yun Duk Min, ao classificar “inaceitável” a decisão: “É lamentável que o princípio da ‘imunidade do Estado’ não esteja sendo aplicado.”
A chancelaria japonesa também se pronunciou. A ministra das Relações Exteriores, Yoko Kamikawa, acusou o tribunal sul-coreano de violar o “direito internacional e o acordo entre a Coreia e o Japão”, exigindo Seul a “tomar medidas apropriadas para corrigir essas violações.”
A “imunidade do Estado” é um princípio legal que estabelece que Estados são imunes às decisões civis tomadas por tribunais de uma outra nação. Foi justamente o argumento usado em 2021, quando o caso foi rejeitado com base no conceito e em decisões anteriores da Justiça.
No entanto, o tribunal de Seul entendeu que o princípio não se aplica neste caso, estipulando que o governo japonês é integralmente responsável pelos danos.
Para o Japão, a questão “já foi resolvida” por meio do Acordo de Reivindicações Coreia-Japão, de 1965, e do Acordo de Mulheres de Conforto Coreia-Japão, de 2015. O primeiro incluiu um pacote de cerca de 800 milhões de dólares em subsídios e empréstimos, enquanto o segundo envolveu 8,5 milhões de dólares para a criação de um fundo de auxílio às idosas que ainda continuam vivas.
Apesar dos financiamentos, a população sul-coreana acredita que nunca houve um “pedido de desculpas formal” e um reparo histórico “honesto” por parte do país vizinho.
Twitter/Dong A Media
Lee Yong Soo, vítima de escravidão sexual e ativista para direitos humanos, levanta os braços para comemorar decisão
Japão e Coreia do Sul: amigos ou inimigos?
Surgem especulações de que a decisão do tribunal poderá impactar as relações entre a Coreia do Sul e o Japão, que têm melhorado desde que o governo de Yoon Seok Yeol, atual presidente da República sul-coreana, anunciou uma solução paralela de compensação para 150 mil coreanos que foram forçados a trabalhar em fábricas e minas no Japão durante o período colonial.
Este acordo, feito em março, foi uma tentativa de resolver o conflito histórico entre os países asiáticos. No entanto, gerou forte controvérsia por parte da população sul-coreana. Enquanto as autoridades de ambas as nações consideraram o acordo um “grande avanço”, muitas das vítimas recusaram a compensação, acusando Tóquio de “querer se livrar da responsabilidade”.
De acordo com a imprensa sul-coreana, a perspectiva é que o governo japonês não mude seu posicionamento contrário à decisão desta quinta-feira (23/11).
Choi Eun Mi, pesquisadora do Instituto Asan de Estudos Políticos, entende que, com a decisão confirmada e, consequentemente, se inicie o processo de apreensão dos bens domésticos, estatais e públicos do Japão em dinheiro, “será um grande problema” entre as nações.
Tríade: Seul, Tóquio e Washington
As relações entre a Coreia do Sul e o Japão também melhoraram quando as autoridades norte-americanas marcaram uma reunião com os asiáticos, em Camp David, no mês de agosto. Além de servir simbolicamente como um alerta para China e Coreia do Norte, o encontro entre os líderes Joe Biden, Fumio Kishida e Yoon Seok Yeol foi marcado pela discussão de pautas relevantes como o despejo de águas residuais de Fukushima ao Oceano Pacífico, fortalecimento de laços de segurança e cooperação econômica.
O recente lançamento do satélite norte-coreano foi mais uma prova de que a relação entre os países continua firme, uma vez que os três imediatamente condenaram a conduta do líder Kim Jong Un, acusando-o de violar as resoluções internacionais das Nações Unidas.
Expectativas para a decisão
O ministro das Relações Exteriores da Coreia do Sul, Park Jin, e a chanceler japonesa, Yoko Kamikawa, ainda devem se encontrar na Reunião dos Ministros das Relações Exteriores Coreia-Japão, em Busan, prevista para o próximo dia 26. A expectativa é a de que a decisão do tribunal com relação às “mulheres de conforto” seja discutida.