A ONG de direitos humanos Human Rights Watch (HRW) publicou na quinta-feira (25/05) um relatório que mostra os problemas da Justiça penal no Japão, que descreveu como “sistema de reféns”, utilizando uma expressão popularizada pelo caso Carlos Ghosn.
“O Japão tem um sistema legal reconhecido internacionalmente como competente e imparcial, mas sua Justiça Criminal opera com base em leis, procedimentos e práticas que violam sistematicamente os direitos dos acusados”, denuncia HRW.
Os suspeitos são frequentemente mantidos em prisão preventiva “durante meses ou mesmo mais de um ano para os forçar a confessar”, afirma o relatório, baseado em cerca de cinquenta entrevistas realizadas ao longo de três anos no Japão com pessoas acusadas de delitos, seus familiares, advogados, acadêmicos, promotores e jornalistas.
As prisões preventivas de três dias regularmente são estendidas por outros dez dias, o que pode ser feito até duas vezes, elevando o prazo deste tipo de detenção muitas vezes a 23 dias. Depois desse tempo, os investigadores podem voltar a pedir a prisão indefinidamente.
“Polícia e promotores conseguem isso dividindo um caso em várias partes. Por exemplo, quando um corpo é descoberto, os suspeitos geralmente são presos por ‘abandono de corpo’, então, depois de 23 dias no máximo, são novamente presos por homicídio”, explica o HRW.
Uma vez indiciado, o acusado pode finalmente solicitar ser liberado sob pagamento de fiança. Mas tais pedidos são em geral negados pelo uso indevido de uma seção do Código de Processo Criminal japonês, que permite a exclusão da fiança se houver risco de o suspeito “ocultar ou destruir provas”, de acordo com a HRW.
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Suspeitos são frequentemente mantidos em prisão preventiva no Japão, segundo HRW
Muitos direitos violados dos detidos estão, no entanto, protegidos pela Constituição japonesa, entre eles o direito “ao acesso imediato a um advogado, o direito ao devido processo legal e o direito a não se incriminar”, afirma a ONG, que pede ao Japão para rever seus processos criminais em profundidade.
Caso Ghosn
Todas essas queixas foram amplamente divulgadas após a prisão, no final de 2018 no Japão, do empresário franco-brasileiro de origem libanesa, Carlos Ghosn, ex-presidente do grupo Renault-Nissan, por suposto desvio financeiro. Ghosn foi finalmente libertado sob fiança, antes de fugir para o Líbano no final de 2019.
Em 2020, o Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária considerou o processo de prisão e detenção de Ghosn “fundamentalmente injusto” em quatro ocasiões. O governo japonês considerou esta opinião “totalmente inaceitável”.
Em 2022, o Ministério da Justiça japonês nomeou um comitê de especialistas para refletir sobre uma possível reforma do código de processo penal japonês. O HRW duvida, porém, que esse comitê vá produzir recomendações “positivas”, sabendo que metade dele é formado por promotores e juízes com posições conservadoras.
Humilhado com a incrível fuga de Carlos Ghosn, o Japão aprovou neste mês uma lei que autoriza agora o rastreamento por GPS de pessoas libertadas sob fiança, para evitar que fujam para o exterior.