Faleceu neste sábado (30/03), aos 87 anos, o advogado, escritor e ativista paraguaio Martín Almada, que tornou-se célebre mundialmente por seu trabalho revelando os “Arquivos do Terror” do regime de Alfredo Stroessner – ditador que governou o Paraguai entre 1954 e 1989 –, que incluíam documentos que revelaram também alguns dos crimes cometidos durante as ditaduras do Cone Sul na segunda metade do Século 20.
Nascido em 1937, na cidade de Puerto Sastre, no Nordeste do Paraguai, Almada completou sua formação em 1963, quando a ditadura de Stroessner já durava quase uma década inteira. Já em sua juventude, se tornou um militante na resistência ao regime.
Preso em 1974 pelos agentes da ditadura paraguaia, o ativista foi mantido preso durante três anos, período no qual sofreu intensas torturas, que o levaram quase à morte.
Quem acabou falecendo em função do seu sofrimento foi sua primeira esposa, Celestina Pérez: mantida em prisão domiciliar. Ela era obrigada pelos torturadores a ouvir por telefone as sessões de tortura impostas ao marido. Um dia, um dos agentes mentiu dizendo que ele havia falecido, e entregou a ela um pedaço de roupa com pregos e sujo de sangue, afirmando que se tratava do que restou do marido, situação que a levou a ter um infarto, que lhe provocou a morte.
Libertado em 1977, Almada escreveu o livro Paraguay: la cárcel olvidada, el país en el exilio (“Paraguai: a Prisão Esquecida, o País no Exílio”) durante o período em que viveu como asilado político no Panamá.
A obra conta detalhes das torturas vividas por ele e por Celestina Pérez e suscitou um debate em diversos países do mundo sobre os direitos humanos. Esse sucesso lhe rendeu um convite para trabalhar na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), entre 1986 e 1992.
Arquivos do Terror
De volta ao seu país natal, Almada realizaria o que foi o seu mais conhecido trabalho como defensor dos direitos humanos, a descoberta dos Arquivos do Terror da ditadura paraguaia: um compilado de milhares de documentos nos quais foram revelados os detalhes das violações cometidas durante o regime de Stroessner.
A série de materiais também desvendou segredos das ações realizadas em conjunto entre a ditadura do Paraguai e os regimes militares contemporâneos ocorridos no Brasil (1964-1985), Argentina (1976-1983), Chile (1973-1990) e Uruguai (1973-1985).
Entre esses documentos, o de maior destaque foi a ata de fundação da Operação Condor, que sistematizou a colaboração entre as cinco ditaduras do Cone Sul (citadas acima) durante os Anos 70 e 80.
Boa parte dos documentos revelados por Almada foram usados em juízos relacionados às violações aos direitos humanos em diversos países. Entre essas iniciativas judiciais estão algumas das causas promovidas pelo juiz espanhol Baltasar Garzón contra as ditaduras do Chile e da Argentina.
Esse trabalho rendeu a ele o prêmio Right Livelihood, entregue no ano de 2002.
‘Inspirar corações de jovens da América Latina’
Em entrevista a Opera Mundi, a viúva do ativista, a jornalista María Stella Almada falou sobre a importância de sua luta contra a impunidade aos crimes cometidos pelas ditaduras sul-americanas.
“Martín lutou até o último momento. Assumiu possibilidades de justiça de transição para encontrar novos caminhos para as memórias, a verdade, a justiça e a reparação. Por isso eu digo: Martín somente muda de Estado e deixa um trabalho inconcluso. Ele sempre deixou, porque os objetivos se atualizam”, afirmou a ativista, que é diretora do Museu das Memórias: Ditaduras e Direitos Humanos, localizado em Assunção.
María Stella também lembra que “nesses momentos, depois de ter comprovado os efeitos de governos como o de Bolsonaro, as dificuldades da democracia na atualidade e a crescente campanha do negacionismo, não podemos simplesmente sentar e chorar. Temos que militar, e também que alertar. Que a vida de Martín motive e inspire o coração de jovens, para que movimentem a história recente da América Latina”.
Sobre o trabalho de Almada com os Arquivos do Terror, ela considera que “mais que uma descoberta, porque descoberta implica surpresa, foi talvez um encontro, uma campanha rigorosa que Martín empreendeu durante toda a sua vida. O valor desse conjunto de documentos é que ele está escrito pelos próprios repressores. É como atirar uma pedra numa lagoa e ela causar ondas expansivas. Os três julgamentos em Roma, França e Argentina puderam reunir, vincular causas e fazer um grande julgamento pelo Plano Condor”.