A Tunísia vem sendo acusada de enviar imigrantes ilegais para o deserto. A prática chamou a atenção de uma das maiores organizações de defesa dos Direitos Humanos do mundo. A ONG Human Rights Watch (HRW) pediu nesta sexta-feira (07/07) que o país pare com as “expulsões coletivas”.
O país africano foi instado a parar com a prática de enviar pessoas para um local desértico ao Sul de seu território, perto da fronteira com a Líbia, onde já estão centenas de migrantes da África subsaariana, em situação muito precária.
A HRW pediu ao governo da Tunísia que “acabe com as expulsões coletivas e permita urgentemente o acesso humanitário” a esses migrantes que têm “pouca comida e nenhuma assistência médica”, disse Lauren Seibert, pesquisadora de direitos dos refugiados na ONG.
“As forças de segurança da Tunísia expulsaram coletivamente várias centenas de migrantes africanos e requerentes de asilo, incluindo crianças e mulheres grávidas, desde 2 de julho de 2023, para uma zona remota e militarizada na fronteira entre a Tunísia e a Líbia”, relata o comunicado da HRW. “Muitas pessoas denunciaram a violência das autoridades durante sua prisão ou deportação”, acrescenta a entidade.
Os migrantes ouvidos pela ONG disseram que “várias pessoas morreram ou foram mortas na zona fronteiriça, entre 2 e 5 de julho, algumas das quais foram baleadas ou espancadas pelo Exército tunisiano ou pela guarda nacional”, afirma o comunicado de imprensa da HRW. O documento especifica, no entanto, que não é possível confirmar essas alegações por falta de acesso à área.
Morte em briga
Uma onda de violência envolvendo os migrantes começou na terça-feira (04/07) e seguiu na quarta-feira (05/07), depois que um deles matou um morador da cidade durante uma briga.
Muitos desses migrantes haviam sido expulsos nos últimos dias da cidade de Sfax (centro-leste) em meio a tensões com a população local, que exigia a sua saída, afirmam depoimentos recolhidos pela AFP.
A situação em Sfax é de agitação social. Expulsos de suas casas, migrantes dizem estar assustados com a violência das últimas noites e se refugiaram em frente a uma mesquita da cidade, onde aguardam uma solução para a crise.
Foi em frente à mesquita Sidi Lakhmi, no centro de Sfax, que Ousmane, natural da Guiné, se refugiou na manhã da quinta-feira (06/07), depois de ter sido expulso pelo dono do seu alojamento, dois dias antes. “Não temos escolha, temos que vir para cá, ficamos em grupo. Porque se você ficar em número insuficiente, eles podem cair em cima de você, e você se machuca”, relata.
Sidide, um homem de 30 anos da Costa do Marfim, agradecia a alguns poucos voluntários que apareciam para levar mantimentos. “Caso contrário, não há associação que venha aqui”. Apenas alguns tunisianos, acrescenta.
Agenzia Nova
HRW pediu ao governo da Tunísia que acabe com as expulsões coletivas e permita acesso humanitário
Enquanto isso, outros migrantes foram transportados para áreas desérticas na fronteira da Líbia e da Argélia pelas autoridades da Tunísia, segundo os testemunhos relatados pela HRW, e deixados à própria sorte.
Sonia, uma camaronesa, relata o que viveu por uma mensagem de voz. Ela fala de uma área montanhosa perto da fronteira com a Argélia. Segundo os vídeos, são cerca de cinquenta pessoas no local.
“Pensamos que a polícia iria nos levar para um local seguro. Mas, ao contrário, a polícia nos empurrou de volta para o deserto. Estamos há três dias entre a fronteira da Tunísia e da Argélia. Realmente, estamos desesperados, não sabemos o que fazer. Um senhor do grupo encontrou um poço. Foi aqui que nos reabastecemos, tivemos um pouco de água para beber”, conta.
Essa “zona tampão” perto da Líbia está a 350 quilômetros de Sfax. As autoridades da Tunísia negam ter participado desses envios forçados de pessoas. A HRW, que condenou em seu relatório essas expulsões para a fronteira, estima que mais de 500 migrantes foram expulsos dessa forma.
“Imigrantes africanos e requerentes de asilo, incluindo crianças, estão desesperados para sair da perigosa área de fronteira e encontrar comida, assistência médica e segurança”, conclui Seibert. “Não há tempo a perder”, alertou a representante da ONG.
Por fim, a HRW pediu à Tunísia para “investigar as forças de segurança implicadas em abusos e levá-los à Justiça”.
Um discurso cada vez mais abertamente xenófobo contra esses migrantes se espalhou na Tunísia, desde que o presidente Kais Saied condenou a imigração ilegal, em fevereiro, apresentando-a como uma ameaça demográfica ao seu país.
A presidência rejeitou acusações de “racismo” e denunciou a presença de “hordas” de clandestinos que fazem parte de “uma empresa criminosa” que pretende, segundo o presidente Saied, “mudar a composição demográfica” do país magrebino.
O Fórum Tunisiano para os Direitos Econômicos e Sociais estima que existam 7 mil migrantes indocumentados na Tunísia e 6 mil requerentes de asilo, mas esses números aumentam a cada dia.