Terça-feira, 13 de maio de 2025
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Sem qualquer tipo de mandato público vigente, envolvido em escândalos de corrupção e com níveis de popularidade em crise, o ex-deputado que se autoproclamou presidente da Venezuela, Juan Guaidó, agora enfrenta um isolamento internacional cada vez maior.

Prestes a completar quatro anos liderando o que ele e seus apoiadores chamam de “governo interino”, espécie de organização paralela que foi estabelecida em fevereiro de 2019 no momento em que ele se autoproclamou, o opositor venezuelano assistiu nos últimos meses a derrota de aliados de direita em países vizinhos e agora teme perder um de seus últimos apoiadores na América do Sul: o presidente Jair Bolsonaro (PL).

A tendência é visível para analistas políticos venezuelanos e também para Guaidó. Tanto que o ex-parlamentar chegou a gravar um vídeo de apoio ao candidato da extrema direita à reeleição que enfrentará o ex-presidente Lula (PT) no 2º turno das eleições presidenciais no dia 30 de outubro.

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Na mensagem, publicada um dia antes do 1º turno da votação, Guaidó agradece Bolsonaro pelo apoio que tem recebido do mandatário brasileiro nos últimos anos e diz esperar que, após as eleições, o país “continue a ser aliado da democracia e não de uma ditadura”, insinuando que poderia perder apoio caso o atual presidente seja derrotado.

Já Bolsonaro reafirmou seu respaldo ao “interinato” de Guaidó e disse que os venezuelanos acompanham as eleições no Brasil pedindo que o país “nunca mais [volte] a eleger políticos que apoiam e financiam a ditadura que os massacra”.

Para o cientista político e professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Central da Venezuela (UCV) Atilio Romero, o isolamento enfrentado por Guaidó também ocorre com Bolsonaro, na medida em que a derrota da direita em países como Argentina, Peru, Colômbia e Chile terminou desmontando o Grupo de Lima, aliança regional criada para desestabilizar o governo de Nicolás Maduro e dar suporte às iniciativas do “interinato” opositor.

Sendo assim, continua Romero, o apoio mútuo que Bolsonaro e Guaidó manifestam responde à sobrevivência política dos dois direitistas que estaria ameaçada com o impulso que partidos de esquerda vêm retomando na região.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Romero ainda afirma que os discursos do opositor venezuelano e do presidente brasileiro são muito parecidos e parecem obedecer a uma “lógica norte-americana” de colocar seus adversários como “ditadores”, enquanto eles seriam os verdadeiros defensores da democracia.

“A lógica de Guaidó sempre foi e será a mesma lógica dos norte-americanos, ou seja, a suposta defesa da ‘democracia’, ‘liberdade’ e dos ‘direitos humanos’ contra o que chamam de ‘ditadura’ e ‘repressão’. No fundo, esse discurso é totalmente conveniente a Bolsonaro porque faz com que o presidente brasileiro coloque seu adversário, Lula, no terreno da ‘ditadura’, do ‘comunismo’ etc”, diz.

Crise no “interinato”

Por não ser resultado de eleições, o “governo interino” de Guaidó buscava sua legitimidade no reconhecimento de outros países. Logo em 2019, vários governos passaram a reconhecer o ex-deputado como “presidente interino” da Venezuela. O apoio de nações como Brasil, Colômbia, Argentina, Chile, da União Europeia e dos Estados Unidos foi fundamental para dar sustentação à narrativa do opositor.

Com o apoio político, financeiro e logístico desses governos, Guaidó conseguiu se apropriar de diversas empresas e ativos do Estado venezuelano no exterior para manter seu “governo paralelo” funcionando. Além disso, o opositor protagonizou tentativas de golpe de Estado – como a Operação Libertad, em 2019, e a Operação Gideón, em 2020 – e invasão ao território venezuelano, todas fracassadas.

Nos últimos meses, entretanto, mudanças de governo fruto de eleições nos países vizinhos e reflexos geopolíticos gerados pela guerra na Ucrânia retiraram força dos planos de Guaidó e acabaram isolando o ex-deputado, inclusive entre a oposição venezuelana.

Apoio mútuo entre presidente brasileiro e ex-deputado venezuelano é por sobrevivência política, apontam pesquisadores

Flickr/Palácio do Planalto

Tendência de vitória para Lula é visível para analistas políticos venezuelanos e também para Guaidó.

A vitória de Gustavo Petro na Colômbia foi o golpe mais duro para o “interinato”, que tinha no ex-presidente Iván Duque um de seus maiores patrocinadores. O novo mandatário colombiano já retomou relações diplomáticas com o governo do presidente Nicolás Maduro e devolveu a empresa venezuelana Monómeros ao Estado vizinho, após ela passar mais de 3 anos sendo controlada por funcionários de Guaidó.

O governo do democrata Joe Biden, apesar de não retirar totalmente o apoio ao opositor, também já deu sinais de que seguirá uma linha diferente de seu antecessor, Donald Trump, em relação à Venezuela. Desde o início de 2022, os Estados Unidos já enviaram duas delegações para negociar diretamente com Maduro em busca de soluções energéticas para suprir a demanda por petróleo.

Outro episódio recente deixou ainda mais claro o enfraquecimento político do “governo interino” venezuelano, quando seu representante na Organização dos Estados Americanos (OEA) esteve ameaçado de perder o assento no órgão. No dia 6 de outubro, 19 países votaram a favor da exclusão do representante de Guaidó, que ocupa a cadeira venezuelana desde que a OEA reconheceu o ex-deputado como “presidente interino”. A votação favorável foi puxada por Argentina, Bolívia, Chile, México e Colômbia, e só não foi concretizada pois EUA, Canadá, Paraguai e Guatemala votaram contra a exclusão. 

Para Romero, a tentativa de excluir Guaidó da OEA simboliza uma mudança que vêm ocorrendo na América Latina de maior presença de forças de esquerda na região e que deve normalizar as relações com a Venezuela, ainda que não mantenha laços íntimos com o país.

“Esse fato revela uma mudança geral das relações entre os governos progressistas e de esquerda, e aqui precisamos fazer uma distinção entre progressistas e de esquerda, pois estes se relacionam com a Venezuela de uma maneira mais íntima do que os primeiros. De qualquer maneira, agora já existe um conjunto de governos mais favoráveis diplomaticamente”, afirma.

Bolsonaro e Guaidó: agentes do rompimento diplomático

O reconhecimento do governo Bolsonaro ao “governo interino” de Guaidó em 2019 foi a antessala do rompimento diplomático entre Brasil e Venezuela que viria um ano mais tarde, em 2020, quando Brasília decidiu fechar todas as sedes diplomáticas em território venezuelano.

As relações entre os países já eram tensas desde o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT). Para o pesquisador venezuelano Diego Sequera, já era claro para Caracas que a diplomacia brasileira entrava em um período de hostilidade e que os laços com o Brasil iriam se deteriorar após a derrubada de Dilma.

“As relações começaram a se deteriorar dramaticamente logo após o golpe legislativo e a chegada de [Michel] Temer. Com Bolsonaro, essa agonia foi prolongada e isso ocorreu junto com a degradação da diplomacia brasileira, no que converteram o Brasil em tão pouco tempo, justamente após o país ter atingido esses altos níveis como potência regional e como uma potência global emergente”, diz.

Para o futuro, no caso de uma vitória de Lula nas eleições, Sequera acredita que as relações entre Brasil e Venezuela serão retomadas em moldes mais pragmáticos do que ideológicos, simbolizando um resgate da diplomacia brasileira.

“Eu acho que a comparação com a retomada colombiana é correta, porque não é apenas por afinidade política e ideológica, mas sim por um tema de profissionalismo diplomático e da correção de um desastre que comprometeu as relações do Brasil com seus vizinhos”, afirma.