O sequestro do navio cargueiro israelense por parte do grupo Houthi, do Iêmen, enquanto cruzava o Mar Vermelho, se tornou uma das notícias mais destacadas no Oriente Médio nos últimos dias, como exemplo de como os povos dos países árabes se sentem identificados com o sofrimento do povo palestino diante da ofensiva que vem sofrendo por parte de Israel.
Segundo a especialista Verônica D’Angelo de Oliveira, bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a ação “é uma espécie de resposta à situação em Gaza”.
“Temos que levar em consideração que apesar da força bélica do grupo ser muito inferior ao poderio israelense, nós tivemos nas últimas semanas algumas tentativas de ataque por parte dos Houthis a Israel e a tomada do navio (que no final, nem tinha tripulação israelense) parece ter sido uma opção menos custosa para o grupo, uma vez que os ataques aéreos não conseguem ultrapassar a barreira anti-míssil de Israel”, disse a acadêmica a Opera Mundi.
Verônica acrescentou que “esse aumento de tom por parte dos Houthis em relação a Israel parece muito mais direcionado ao próprio público interno deles (por conta da oposição à Arábia Saudita que lidera a intervenção internacional na região e que estava, antes dos ataques do Hamas, negociando o reconhecimento do estado de Israel) do que tenham força mesmo para afetar de alguma forma a guerra de Israel contra o Hamas, que já é bastante complicada. É mais para se opor à Arábia Saudita e talvez se alinhar um pouco mais ao Irã”.
A pesquisadora também aponta para as consequências globais deste aumento de tom por parte dos Houthis. “Como o Iêmen vive um momento de estabilidade atualmente, mas não temos uma negociação de paz realmente consolidada, pode acontecer dessa subida de tensão regional ter algum impacto interno e voltarmos a ter uma guerra mais ativa no país, mas é difícil cravar como os atores vão responder aos fatos”.
Houthis e o Iêmen
Nos últimos anos, o Iêmen tem aparecido nos noticiários como uma das piores crises humanitárias do mundo. Mas o povo do Iêmen não é apenas vítima de uma tragédia política. Na sua história moderna, o Iêmen infligiu uma derrota humilhante ao Império Britânico. O caminho do Iêmen até a sua atual condição desastrosa é uma história complexa e fascinante que nos diz muito sobre o sistema geopolítico moderno. A guerra da Arábia Saudita contra o Iêmen só aconteceu por causa do apoio e participação dos Estados Unidos.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a guerra do Iêmen entre 2014 e 2021, matou 377 mil pessoas. Os impactos humanitários causados pelos bombardeios sauditas e também pelo bloqueio contra grande parte do território que está sobre o controle do movimento Houthi, é conhecido internacionalmente como devastador. Segundo dados da Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), existem no Iêmen mais de 2 milhões de crianças que sofrem com má nutrição aguda e dentre essas 540 mil que sofrem com um quadro mais grave que pode terminar em uma fatalidade.
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Captura de tela do vídeo de momento da ação Houthi
Entre 2015 e 2022, também de acordo com a UNICEF, cerca de 2,3 milhões de crianças se tornaram refugiadas no conflito do Iêmen, e 11 mil morreram ou foram gravemente feridas. Apesar de os Estados Unidos terem mantido uma posição de afastamento da imagem pública da guerra, e mesmo que suas relações com a Arábia Saudita tenham esfriado, o país efetivamente continuou envolvido e mantendo representantes no centro de comando dos bombardeios sauditas, tendo acesso a todos os alvos de bombardeio, que só podiam ser identificados e estabelecidos em função do acesso a imagem de satélite e infraestrutura norte-americana.
O Reino Unido também participou do centro de comando, junto com os norte-americanos. Os dois países são os principais fornecedores de armas para os sauditas.
A rica e complexa história do Iêmen foi abalada pela catastrófica guerra civil iniciada em 2014. Um acordo de paz poderia ajudar os iemenitas a recuperar as esperanças frustradas da revolta de 2011. A Al-Qaeda aproveitou a situação para ganhar força em algumas regiões do Iêmen, e multiplicou seus atentados. Parte deles foi dirigida contra um grupo importante da população que segue uma denominação xiita.
O movimento Houthi, que já tinha uma tradição rebelde contra o governo, se revolta contra o governo do então presidente Abd Rabbuh Mansur al-Hadi em 2014 e toma a capital Sana’a. Após um atentado em uma mesquita xiita que matou 130 pessoas, o grupo declarou guerra contra o governo e iniciou uma nova tentativa de revolução, fazendo com que a Arábia Saudita intervisse no país para defender o governo de al-Hadi.
Os Houthis conseguiram mobilizar apoio para a sua campanha até mesmo entre aliados do antigo presidente, que mudaram de lado, descontentes com os rumos que o país tomava.
A ação militar da Arábia Saudita contra o país foi muito violenta, mas não conseguiu retomar a maior parte do território, que já era controlado pelos Houthis. O único resultado foi evitar que os Houthis tomasse o sul do Iêmen e a cidade de Aden, uma das mais importantes do país. Ainda assim, o grupo rebelde continua com o controle da capital Sana’a.