A Câmara Municipal de São José aprovou na última terça-feira (20/02) duas moções de repúdio, uma contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outra contra o jornalista Breno Altman, fundador de Opera Mundi.
O texto contra o presidente Lula foi apresentado pelo vereador Marcelo Garcia, do Partido Renovação Democrática (PRD), se refere à declaração dada por ele durante sua visita à Etiópia, em meio à Cúpula da União Africana, no último domingo (18/02), quando ele disse que “o que está acontecendo na Faixa de Gaza, com o povo palestino, não existe em nenhum momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler decidiu matar os judeus”.
No caso de Altman, o repúdio se refere ao lançamento do seu livro Contra o Sionismo: retrato de uma doutrina colonial e racista, publicado pela Editora Alameda. A noite de autógrafos da obra em São José dos Campos aconteceu no dia 16 de fevereiro e lotou o auditório do Sindicato dos Condutores. Dias depois, foi alvo de críticas de um vereador de extrema-direita.
O autor da iniciativa contra Altman foi Thomáz Henrique, representante do Partido Novo em São José dos Campos. Sua moção foi colocada em votação pela mesa da Câmara dos Vereadores, em detrimento de outra iniciativa, da vereadora Amélia Naomi, do Partido dos Trabalhadores (PT), que propunha exatamente o contrário: congratular Altman pela palestra realizada durante a apresentação do livro.
Em sua rechaçada iniciativa, Naomi afirmava que o livro Contra o Sionismo é “uma obra que nasce no contexto de agressões promovidas pelo governo de Benjamin Netanyahu e preenche a lacuna bibliográfica sobre temas complexos, como as estratégias do sionismo para a perpetuação da violência contra o povo palestino, apontando as diferenças entre judaísmo e sionismo, demonstrando como o sionismo se transformou em uma ideologia racista, colonial e teocrática e colocando como o resultado de anos de conflito foi a construção de um regime de apartheid que oprime o povo palestino de diversas formas”.
A vereadora esteve presente no lançamento da obra, uma semana antes.
Casa cheia no auditório do Sindicato dos Condutores, em São José dos Campos, para o lançamento do livro “Contra o sionismo”, de minha autoria. Agradeço a todos e todas que lá estiveram, especialmente à companheira @amelianaomisjc. pic.twitter.com/MJiAT8uO9c
— Breno Altman (@brealt) February 17, 2024
Votações
A moção contra Lula foi aprovada pelos vereadores joseenses na terça-feira, após receber 18 votos a favor e apenas dois contrários – das vereadoras Amélia Naomi e Juliana Fraga, ambas do PT.
Minutos depois, foi votada a moção contra Altman, que também foi aprovada, com 17 votos a favor e três contrários – além de Naomi e Fraga, também votou contra a vereadora Dulce Rita, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
Semitas ‘antissemistas’
A votação das duas moções causou a indignação da comunidade árabe local devido ao discurso proferido por Henrique durante a sessão da Câmara Municipal, o qual consideraram “islamofóbico”.
O curioso é que, apesar de ter apresentado uma moção contra Breno Altman e seu livro, o vereador do Partido Novo usou quase todo o seu discurso para atacar preferencialmente o presidente Lula, e para justificar o massacre de civis palestinos em Gaza, cometido pelas Forças Armadas israelenses, afirmando que seria uma resposta à “animosidade que é completamente irreversível, por conta da cultura islâmica, que é na sua origem antissemita, e que quer a extinção do Estado de Israel e o extermínio do povo judeu”.
O argumento em si parte de um equívoco conceitual, que foi cometido reiteradamente pelo político de extrema-direita durante o pronunciamento. Minutos antes, ele disse que “o antissemitismo é algo enraizado na cultura islâmica, na cultura desses países do Oriente Médio”. Essa mesma frase foi repetida quase integralmente no final do seu discurso.
Todas essas declarações não fazem sentido porque todos os povos árabes, tanto do Oriente Médio quanto do norte da África, são considerados povos semitas, assim como os judeus – e até mesmo os hebreus que não são seguidores da religião judia. Portanto, se fossem “antissemitas” teriam que ser contra sua própria existência.
Ofensas a Breno Altman
No pouco tempo do seu discurso dedicado a criticar Breno Altman e seu livro – verdadeiros alvos da moção da qual ele foi autor – Henrique disse que o jornalista foi à São José dos Campos em um evento “divulgado pelos partidos de esquerda”.
Pedro Cândido
Breno Altman realizou o lançamento do livro ‘Contra o Sionismo’ em São José dos Campos no dia 16 de fevereiro
Em seguida, Henrique fez uma citação de uma publicação de Altman em suas redes sociais, na qual ele diz que “podemos não gostar do Hamas”, discordando de suas políticas e métodos, mas essa organização é parte decisiva da resistência palestina contra o Estado de Israel. Relembrando o ditado chinês, ‘nesse momento, não importa a cor dos gatos, desde que cacem ratos’”.
“É esse tipo desprezível de cidadão que encontra motivos para justificar o estupro, o massacre, o ataque terrorista, toda essa condução que o Hamas faz no território palestino”, afirmou o vereador, para dizer, em sua conclusão, que “esse tipo de pessoa é o que nós não queremos receber em São José”.
Justificativa ao massacre
Em outro momento de seu discurso, Henrique admite que existem vítimas civis das ações militares israelenses em Gaza, mas afirma que estas “muitas vezes são usadas como escudos humanos”. O argumento também costuma ser usado governo de Tel Aviv para referendar o ataque a alvos civis em bombardeios e operações por terra.
Outra alegação do vereador que sintoniza com o discurso do governo sionista de Benjamin Netanyahu é o que de “há esconderijos dos terroristas debaixo de hospitais”.
Os ataques a hospitais e centros de refugiados são parte dos elementos pelos quais Israel responde atualmente na Corte Internacional de Justiça (CIJ) pelo crime de genocídio contra os palestinos residentes em Gaza e violação da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio – ação promovida pela África do Sul e apoiada por dezenas de países, incluindo o Brasil.
Segundo registros oficiais de entidades de apoio aos refugiados palestinos – como a Crescente Vermelha, organização similar à Cruz Vermelha que atua nos países islâmicos – já houve mais de 29 mil vítimas civis em Gaza entre o dia 7 de outubro até agora.
Essa estatística inclui mais 13 mil crianças, mas não os mais de 12 mil desaparecidos, de diferentes idades, que poderiam elevar o total de mortes a uma cifra muito maior, se aproximando de 2% da população do território, que é estimada em 2,3 milhões de pessoas.
Reação da Comunidade árabe
Nesta quinta-feira, dois dias após a aprovação das moções e do discurso de Thomáz Henrique, a comunidade árabe de São José dos Campos se reuniu com a equipe da vereadora Amélia Naomi, para expressar sua indignação com as palavras do vereador do Partido Novo.
Além de reclamar do erro cometido pelo edil ao tentar rotular os povos árabes como “enraizadamente antissemitas”, embora eles sejam tão semitas quanto os judeus, o grupo chamou a atenção sobre as consequências que a retórica do político de extrema-direita pode trazer para a sua comunidade.
Em um vídeo gravado pela equipe da vereadora Naomi, é possível escutar um dos representantes do grupo dizer que “esse discurso é muito perigoso, estamos preocupados com como vai ser quando ele chegar nas escolas, se vai afetar nossos filhos, ou quando chegar nas casas dos cidadãos joseenses”.
Caso similar em Goiânia
O ocorrido em São José dos Campos é parecido com o que aconteceu na última quarta-feira em Goiânia (21/02), onde o vereador Ronilson Reis, do partido Solidariedade, também tentou tramitar uma moção de repúdio às palavras do presidente Lula, e acabou sendo repreendido por sua colega, Aava Santiago, do PSDB.
O caso goianiense chegou a viralizar nas redes sociais, devido ao vídeo que mostra o comentário irônico de Aava contra Ronilson. “O colega está dizendo que não cabe a um chefe de Estado dar opinião sobre um conflito global. Mas cabe ao vereador, né? Ao vereador de Goiânia”, comentou a edil tucana, chamando a atenção do presidente da Câmara Municipal sobre a questão.
“Senhor Presidente, o senhor precisa reassumir a métrica da importância do que se discute neste parlamento, porque se o Presidente da República não pode falar de um conflito internacional, enquanto Chefe de Estado, e um vereador de Goiânia pode ocupar uma hora desta sessão, com a cidade cheia de problemas, falando disso, para fazer videozinho acenando para a sua claque, aí a gente perde a referência do que é prioridade”, completou Aava.