Passada uma semana do ataque surpresa do grupo palestino Hamas, que desatou uma reação de grandes proporções por parte de Israel, o conflito deve entrar numa nova fase, já que os israelenses preparam uma invasão terrestre à Faixa de Gaza, numa operação que deve vitimar ainda mais civis e elevar os deslocamentos, entre outros danos humanitários causados pelo conflito.
Nesta sexta-feira (13/10), o Exército de Israel intensificou bombardeios no norte de Gaza e disse ter atingido 750 alvos militares de madrugada, incluindo instalações, postos de guarda e túneis subterrâneos pertencentes ao Hamas, bem como residências de membros de alto escalão. Também orientou moradores a evacuarem a região no prazo de 24 horas, dando a entender que é iminente a invasão por terra à região, onde moram mais de um milhão de pessoas.
As Nações Unidas, que tiveram funcionários mortos pelo contra-ataque israelense, dizem temer uma “situação catastrófica”. O Egito também está preocupado, porque teme uma migração maciça de palestinos e por isso mantém fechada a passagem fronteiriça entre o país e a Faixa de Gaza. Houve protestos em apoio a palestinos em pelo menos 16 países, incluindo os Estados Unidos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) também apelou para que Israel reverta a ordem de evacuação.
Depois de tamanha reação, o Exército de Israel afirmou que a invasão pode demorar mais e sugeriu que não há um prazo como anunciado anteriormente. O Hamas pediu que a população de Gaza não atenda à determinação de Israel. Para o grupo, trata-se de uma tentativa de “difundir e transmitir propaganda falsa”, prejudicando assim a coesão interna dos palestinos.
Por precaução, um contingente de palestinos começou a se deslocar. Uma reportagem da TV saudita Al Arabiya mostrou muitos moradores de Gaza deixando suas casas após o ultimato israelense, reforçado por panfletos atirados desde aviões nesta sexta.
Análise
“Os jornais estão mostrando a evacuação dos habitantes da Faixa de Gaza, parece gado. É uma tragédia anunciada e ninguém faz nada”, afirma Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais na PUC-SP e especialista em Oriente Médio, ao Brasil de Fato. “O que Israel está fazendo agora, fez das outras vezes. Um forte ataque aéreo para preparar a invasão terrestre, e diz que está apenas se defendendo.”
No âmbito das manifestações mencionadas acima, o acadêmico destaca algumas que começam a pipocar em países próximos a Israel. Na visão dele, a única maneira de frear o ímpeto reativo israelense seria algum tipo de pressão econômica vindo de países árabes do Oriente Médio, com os quais Israel vinha fazendo um movimento de aproximação até o ataque do Hamas.
“Está tendo muita manifestação na Jordânia, no Egito… a ‘rua árabe’ está pressionando seus governos a tomarem uma atitude. Vejo o governo do Egito começando a dar declarações mais fortes. Tomara que haja uma grande mobilização popular no mundo árabe. Se não tiver isso, esses caras vão ficar em berço esplêndido assistindo ao massacre”, disse.
Caso haja esse movimento, Nasser acha que a tendência de aproximação entre israelenses e árabes, iniciada em 1993, com o Acordo de Oslo, pode regredir, reduzindo assim as relações comerciais com potências econômicas como Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos.
“Se houver esse refluxo, é ruim para Israel economicamente”, diz o professor, lembrando que, entre os 10 maiores fundos de investimento do mundo, cinco estão no Golfo. “Além do petróleo, tem um poder financeiro muito forte. É a última esperança”.
Se a invasão por terra se concretizar, vai aumentar ainda mais o drama dos deslocamentos, ou seja, dos cidadãos obrigados a abandonar seus lares. Levantamento feito pela Organização das Nações Unidas (ONU) revelou que 340 mil palestinos já o fizeram desde que começaram os bombardeios de Israel. Desses, 220 mil estão abrigados em 92 escolas que funcionam como abrigos.
Enquanto isso, os bombardeios a Gaza continuam, assim como o cerco ao território, que já está com estoques de combustível, medicamentos e alimentos acabando, segundo organizações internacionais atuando no local.
Joédson Alves/Agência Brasil
Ato no museu da República, em Brasília, em prol do povo Palestino
Resumo da guerra
Os ataques do último dia 7, realizados pelo Hamas por terra, mar e ar, deixaram inúmeras pessoas mortas, incluindo vários civis, e algumas dezenas sequestradas. Balanços oficiais de Israel dizem que 1.300 pessoas foram mortas nos piores ataques da história de Israel. Ao menos três brasileiros — Ranani Glazer, 23 anos, Bruna Valeanu, 24, e Karla Stelzer Mendes, 42 — morreram durante os ataques do Hamas. Todos estavam numa festa na qual morreram ao menos 260 pessoas. Segundo testemunhas, homens armados cercaram o local, lançaram granadas e dispararam.
A morte de Karla foi a última a ser confirmada, nesta sexta. Seu namorado israelense, Gabi Azulay, estava junto e também morreu.
Outra brasileira segue desaparecida. Ela se chama Celeste Fishbein, tem 18 anos e estava em um kibutz (vilarejo voltado para a convivência e produção econômica em comunidade) em Israel, nas proximidades da Faixa de Gaza quando o ataque começou.
Logo após os ataques do Hamas, o governo israelense declarou guerra e disse que o grupo pagaria um preço “sem precedentes”. A retaliação israelense já provocou mais de 1.500 mortes, segundo autoridades palestinas. As estatísticas crescem diariamente.
Desde então, Israel lança continuamente mísseis contra a Faixa de Gaza. O governo israelense diz mirar alvos terroristas, mas o Hamas atesta a morte de civis. Além dos disparos, Israel intensificou o bloqueio contra a Faixa de Gaza, que parou de receber comida, combustível e insumos médicos, entre outros. Água e parte da eletricidade também foram cortadas. O conflito provoca danos em infraestrutura, como a paralisação da única central elétrica na Faixa de Gaza.
O objetivo é pressionar o Hamas a liberar as dezenas de israelenses feitas reféns durante os ataques do dia 7. O Exército de Israel informou durante a semana que haveria brasileiros entre os sequestrados pelo Hamas, mas o Itamaraty não confirma.
A ala militar do Hamas afirmou na sexta que 13 de seus reféns foram mortos por ataques aéreos nas últimas 24 horas. “Seis deles foram mortos em locais separados nas províncias do norte, e sete foram mortos em três locais diferentes na província de Gaza”, afirmou o braço armado al-Qassam Brigades em um comunicado. A localização dos reféns não é conhecida.
Alguns analistas comentaram ao longo da semana que Israel poderia ter dificuldades no caso de uma invasão terrestre porque Gaza é uma região muito povoada, cheia de ruas estreitas, onde seria fácil os combatentes do Hamas armarem emboscadas. Mas Reginaldo Nasser não valida essa hipótese. “Hoje em dia tem Google, Israel sabe tudo”, rebate.
“Claro que o Hamas vai conseguir destruir uns quatro ou cinco tanques, dos 300 que Israel vai colocar lá dentro. Aí o Hamas vai filmar isso, seus homens em cima dos tanques, pra ganhar a confiança da população”, afirmou.
Nasser, que é estudioso de terrorismo, discorda de pessoas que viram no ataque do Hamas um ponto de virada, por ter revelado vulnerabilidade de Israel: “o 11 de Setembro também mostrou vulnerabilidade dos Estados Unidos, mas depois a máquina militar deles aumentou. As ações de terrorismo só servem para fortalecer aquele que foi atacado.”
Brasileiros voltando
Os brasileiros que vivem ou se encontravam em Israel e pediram para se repatriados estão voltando ao Brasil em aviões do Força Aérea Brasileira. Com a quarta aeronave que pousou no Brasil, na madrugada deste sábado (14/10), já são 701 os brasileiros trazidos de volta.
No total, mais de 1.700 brasileiros solicitaram repatriação, sendo a maioria turistas.
Quanto aos brasileiros que vivem na Faixa de Gaza, um grupo de 22 pessoas embarcou em um ônibus fretado pela Embaixada do Brasil na Palestina e chegou ao sul do território neste sábado na tentativa de cruzar a fronteira com o Egito para retornar ao Brasil.